por Maria Virgínia de Vasconcellos*

 

“Si no hay Panama, no hay felicidad”

 

 O ser humano tem tendência a reclamar quando algo incomoda. Se  está confortável e feliz nem percebe a boa saúde, o bom clima, e não ressalta o bem-estar. Diz-se que do bem-bom não se deve comentar para não receber mau-olhado. Será?

Bom, hoje, depois de um ano de morar no Panamá, resolvi pensar no ótimo que é viver:

– onde a água na torneira é saudável e limpa, o filtro não é necessário e o povo é higiênico;

– onde o medo crônico de ladrão não existe e nem conversa mole sobre violência;

– onde a moeda é forte, não há sequer um mísero por cento de inflação (incrível felicidade: os salários não se deterioram a cada mês…);

– onde o comércio oferece coisas do mundo inteiro, com variedades de vinho francês a sete dólares, cosméticos de qualquer fabricante, tapete persa e todos os badulaques eletrônicos, carros japoneses por nove mil dólares e carro de todo tipo para atender a qualquer gosto;

– e mais: o mar está perto e a brisa sopra no verão.

Tudo isso está ok. Tudo isso é muito bom. Tudo isso é Panamá.

É claro, falta  teatro. E ainda faltam música erudita, arte e cinema internacional. Assim como faltam amigos antigos e família. E toda a história europeia com castelos e rainhas, ademais do angu com quiabo nosso de cada dia, e feijão tropeiro, e carnaval, e o samba e você.

Já até me acostumei com o trânsito maluco e o calor úmido-opressivo. E sabe de uma? Aqui a politicagem consegue ser mais divertida ainda. O atual presidente – El Gordo Endara – tem 60 anos e uma esposa de 27 – Ana Mae. Veja você. Ela se chama Ana Mae, faz discursos entusiásticos, tem unhas enoooooormes, certamente pintadas de duas cores, topetaço no cabelo e, agora, é candidata à prefeitura da cidade do Panamá. Não é, no mínimo, surpreendente?

Figura fantástica, em certo sentido. Cúmulo do charm  grotesco. Já era ousada como primeira dama, agora imagine como candidata a Prefeita. Muda de partido, provoca crises ministeriais e, segundo o povo, ela é a mulher dos cinco CH (ceache):

– Chola (brega…)

Chomba  (nome de preto segundo os americanos…)

– China  (vinda do desprezado oriente…)

Chucetaza  (… sem comentários…)

Ch.. (Já nem sei mais o quê…)

Ana Mae conseguiu arrumar a maior confusão no partido Arnulfista, porque queria ser apoiada por eles. Daí a viúva do Arnulfo, político antigo, ficou brava e tomou conta do pedaço. E Miréia, a viúva, tornou-se candidata a presidente.  Com cartazes para todos os lados.

Estamos em plena campanha para eleição presidencial. São sete candidatos. Puxa vida! Sete. Segundo as pesquisas, deverá ganhar o partido PRD, do General Torrijo, cujo candidato é – EL TORO – o mais populista que pode haver. Isso para ser como o resto da América Latina. Alguns candidatos parecem que perderam o rumo de casa. Essas mulheres também…

O candidato profissional liberal, advogado, formado nos Estados Unidos, é o cantor mais popular da República do Panamá – Rubens Blades. Tenho simpatia por essa criatura. Como músico ele tem suas qualidades.

O “torneo político” como se diz por aqui, está a cada dia mais emocionante. E fica muito divertido porque “pimenta no país dos outros não arde”.

Arde menos ainda neste país cujo slogan é “My name is Panama”.  Escrito e divulgado assim em inglês mesmo. Cúmulo da hegemonia americana. Eu me recuso a comprar uma camiseta com esse emblema. Qual é!…

Apesar de ser voz comum que Panamenho não gosta de americanos, tenho certa ponderação a fazer: quando os de classe baixa dizem “gringo de mierda”, a mim, me parece, expressam pouco ressentimento ou nenhum – é expressão retórica/popular. Do outro lado, quando possui pouquinho de dinheiro que seja, não tem preconceito algum: estuda nos States, casa-se com americano e fala inglês com normalidade. Ou seja, apesar de afirmarem que são anti-gringo, não criticam absolutamente.

Também tenho dificuldades em aderir a outro costume que me soa estranho e argentário. Vejamos.

Recebi um convite de casamento que inclui um cartão com os seguintes dizeres:

Hemos reservado para Ud. dos puestos.

Agradecemos sus muestras de cariño en Certificados de regalo del Banco Unión”

 Não é meio brutal? O presente é um cheque a receber num Banco. É como se você tivesse pagando duas entradas para um show. Ah não! Para mim basta uma notinha carinhosa e bye, bye. Mesmo porque nem conheço os cônjuges, somente os pais… Até pode ser um big show de casamento, mas…

Lembro-me de outra: Há famílias da fina elite chamadas de Raviblancos (origem: os bundas brancas espanhóis). Só para lhe dar uma ideia, eles são os únicos sócios do “Club Unión” cuja quota custa vinte e três mil dólares. Não é espantoso alguém pagar essa quantia para frequentar um pequeno clube? Fechadíssimo.

Ai ai ai meu amado Panamá. Ai minha famosa-gostosa cerveja chamada Panamá : “Si no hay Panamá, no hay cerveza”.

E aqui a água é limpa, a cidade é higiênica, a moeda é forte, o comércio é chocante, a brisa sopra e o mar alegra a vista e, enfim, há carnaval sim, com desfile e carros alegóricos, e povão safado que só…, que só mesmo um panamenho pode entender. E para alegria de muitos, fica a uma distância de 2:30 horas de voo de Miami (pronunciado como se fosse em português MIAMI – com i – É isso aí).

A República do Panamá tem outra peculiaridade. Celebra duas festas de independência. Uma em relação à Espanha e outra em relação à Colômbia. Essa última ocorreu para facilitar a construção do Canal. No que diz respeito a festejar, eu acho ótimo, porque temos mais feriados. E você precisa ver as bandas dos colégios nas paradas comemorativas – verdadeiro concurso – com maravilhosas músicas populares, balizas, danças e, como não poderia deixar de ser, com uns drinques pelas ruas: “Si no hay cerveza, no hay Brasil ni Panamá”.

Mas, o que vale não são essas tantas independências e sim a grande dependência cultural, a tradicional família, com seus tradicionais costumes de classe média, com tudo acontecendo por trás das cortinas. Bem divertido. “Nos olhos dos outros… até parece que pimenta não arde”. Só arde mesmo aqui no Brasil.

Em tempo: Panama city tem uma população de aproximadamente 800.000 habitantes, e a República do Panamá contém 2.000.000 pessoas (dados de 1994), muitas delas de color marron-chocolate, meio a sonhar com Miami e Hollywood, mas sempre dançando salsas, cúmbias e merengues – maravilhosas…

 

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*Maria Virgínia de Vasconcellos é socióloga, informata, com mestrado pelo CDS da UnB, com vida profissional eclética, de professora universitária, passando pelo SERPRO e Ministério da Fazenda até consultora em organismos internacionais – o que lhe proporcionou viagens como a que inspirou essa crônica, em 1994. A autora é  profundamente mineira, amante e praticante de esportes e de música, contrariando da década de sessenta de que “intelectual não vai à praia”.  Virgínia adorava não somente a “bola” como também o cinema, a literatura e a arte, desfazendo o estigma de que esportista não seria um bom artista.