por Ana Maria Lopes *|
Eu me apoio nos ombros de meus amigos.
Apoio naquele que identifico como meu igual.
Apoio numa entrega sem premeditação. Como se fosse natural. Como é natural.
Apoiar-se – seja no descanso, seja no compartilhamento – é ato de integração. Ato de doação integral e pura.
Um braço apoiado no ombro amigo conta histórias.
Conta histórias de vida, de luta, de familiaridade, de conexão.
Difícil eleger, entre bilhões de pessoas, aqueles que são dignos de receber o braço, ou simplesmente a mão sobre seus ombros.
Ele era. Talvez por saber tanto sobre ancestralidade.
Por conhecer os igarapés, por saber das curvas do Quixito e do Ituí.
Por conhecer os deuses que regem a floresta de solo úmido e repleto de vida.
Apoio o braço naquele que canta comigo as canções de minha terra.
Ao que chamo camarada-irmão. Pai por eleição. Protetor.
Por proteger demais, por amparar, lutar e defender os indefesos, os ombros se vão.
Saem da foto, saem da vida, saem do foco. Deixam o oco, o soco no estômago, o vazio.
A mão no vácuo daquilo que foi grande. Imenso. Irmão.
O Vale do Javari , rio afora, floresta a dentro, encolheu.
Por ora, não há mais o ombro onde pousar o braço, descansar a mão.
Por ora.
***
*Ana Maria Lopes é escritora e uma das milhões de pessoas que se sente indignada e horrorizada com a barbárie cometida contra o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista Dom Phillips. É uma das fundadoras do Coletivo Maria Cobogó e deseja que os deuses dos rios e das matas façam a justiça que, dificilmente, a dos homens fará.
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