Por que foi que cegamos, não sei, talvez um dia se chegue a reconhecer a razão,Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos,Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.José Saramago em “Ensaio sobre a Cegueira”
O livro começa bem com a declaração da autora de que ele “não tem compromisso com a verdade dos fatos, mas tem compromisso com a verdade dos sentimentos”. No meu entender, a verdade do sentir é o primeiro ingrediente para se realizar uma obra de arte.
Ele conta a história de um casamento desfeito. Em linguagem pontual, frases curtas e sem floreios, este romance moderno narra, em palavras certeiras, uma relação que durou 12 anos, e terminou, ao menos no papel, sem cumprir o “amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida” (pág.166), proferido no rito matrimonial.
O título expõe essa união como sendo uma quebra na continuidade da vida da personagem, que perde sua autenticidade de antes, e depois recuperada, após a separação. Daí um certo sabor amargo nas palavras de um texto assertivo que caminha para o desenlace – para a dor dos românticos, mesmo os do século XXI… Apesar disso, a linguagem do texto é amigável em bons momentos do relacionamento do casal ou naqueles em que as qualidades do cônjuge são relatadas. Uma boa dose de humor também está presente, às vezes ácido (pág. 127). Ressalto esse capítulo e o da pág 115 (Dos Fatos), como de especial escrita.
Pois bem, Excelência, a criança de nove anos com a mangueira ligada na mão, repita-se à exaustão, a criança com NOVE ANOS, fez o que é próprio e adequado às crianças: brincou.
O texto, com suas palavras sequinhas, é bem construído em pequenos capítulos, que no mais das vezes, são concluídos de forma poética, seja pelo arranjo das frases, seja pela escolha das palavras. Muito interessante, também, os provérbios ou receitas caseiras que orientam e dialogam, com popularidade, o assunto do capítulo seguinte. E são bastante práticas, de acordo com a natureza do relato, as páginas de dicionário e de leis adicionadas que, como regras, calçam as condutas adotadas pela personagem.
O que dói mais?
Unha latejando ou sonhos assassinados?
Para unhas inflamadas,
use de hora em hora
uma gota de dipirona no local.
Para sonhos assassinados,
geste outros.
A meu ver, o romance cumpre bem o seu propósito de narrar essa fase da vida da personagem, bem elaborada pela autora e caracterizada como um vão, uma descontinuidade no seu percurso. A autora constrói o livro em linguagem de fácil entendimento, até porque é colocada muitas vezes em itens de conduta cotidiana, conhecida e vivida por quem está submetido a esses mesmos padrões culturais. Expõe, na sequência do livro, seus sonhos, vivências infanto-juvenis e adultas, como elas surgem mesmo – de maneira desordenada nas lembranças – e que levam à compreensão de sua história que, somada à vivida no casamento, fazem chegar à consecução de seu intento.
A obra conta ainda com a composição de um lindo projeto gráfico, um belo poema, e desenhos pertinentes, que a integram, e a fazem mais aconchegante, com os nomes manuscritos, e com o traço lânguido e sensível das ilustrações, concebidas em cores deliciosas…
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