por Christiane Nóbrega *|
Uma gata, o que é que tem?
– As unhas
E a galinha, o que é que tem?
– O bico
Dito assim, parece até ridículo
um bichinho se assanhar
E o jumento, o que é que tem?
– As patas
E o cachorro, o que é que tem?
– Os dentes
Ponha tudo junto e de repente vamos ver o que é que dáSergio Bardotti/Chico Buarque/Luis Enrique Bacalov em Todos Juntos (2017)
Das coisas que ouvimos ao longo da caminhada, algumas merecem resposta. Escolhi uma delas. Não uma resposta qualquer, uma resposta afetuosa, quiçá poética. Uma resposta elogio. Uma resposta exaltação.
Ouvi por aí que nos juntamos, as Marias Cobogós, porque não conseguimos nada sozinhas. Sim, somos mulheres que não conseguem sozinhas. Sim, para que nossa literatura fosse/seja possível nos juntamos. Assim, mesmo. Você tem razão.
Começamos tímidas… um café e muita simpatia. Evoluiu para uma bebidinha e muitas gargalhadas. Por último chegaram as lágrimas, elas selam as parcerias como ninguém. Daí foi ladeira abaixo, outras vezes ladeira acima. Aqui a Santa ajuda a descer e subir.
Logo vieram à mesa projetos de raios de romances, textos nunca lidos, emoções nunca verbalizadas, desenhos nunca coloridos e choros mal chorados. Tudo temperado com pitadas de síndrome de impostora.
Quase que em uma expedição arqueológica dentro uma das outras, nossas gavetas foram sendo abandonadas pelos textos para povoar o blogue do coletivo e as páginas dos livros. Muitas vezes a outra se comportando feito a mãe que lá da plateia incentiva o filho na apresentação da escola, outras vezes arrumando o cabelo desgrenhado da outra, outras pagando mesmo, afinal, eu pago, não eu, alguém que não vou dizer o nome, mas ela sabe quem é… Outras vezes carregando a caixa ou dando absolutamente o mesmo presente de aniversário para todas.
Assim, um texto escrito que não se tinha certeza se era bom, um livro pronto sem revisar, um lançamento que não queria ser solitário se tornou uma Baleia que nada em meio a um Hiato. Uma Guerra que se encontra em um Atlas, tudo em um Amor pra lá de Concreto.
Para gente! Lógico que não é sempre bom. Mas pior seria sozinha, até porque nem seria nada. Temos mal humores e mal-entendidos. Outras vezes damos um tempo mesmo, só ignoramos o grupo por umas horas ou até dias e o gosto ruim na boca passa. Passa porque temos a certeza de que sozinha não desocuparíamos nossas gavetas, não venderíamos em uma noite quase mil livros, não encheríamos por tantas vezes o Beirute, não seríamos por tantas vezes capa do Correio e até mesmo finalistas do Prêmio Jabuti.
Depois de tudo isso, respondo mais uma vez ao feliz e acertado comentário feito, dizendo que sim, você tem toda razão, nos juntamos porque sozinhas não podemos, não somos e, sobretudo, não queremos.
Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer
– Ao meu lado há um amigo
Que é preciso proteger
Todos juntos somos fortes
Não há nada pra temer
***
*Christiane Nóbrega é escritora e advogada. Escreve livros infanto-juvenis. Tem vários, inclusive Fios, finalista do Prêmio Jabuti, em 2020. Lançou seu primeiro romance Hiato (2021) – que toda mulher deveria ler, e os homens também.
Imagem: Os Saltimbancos, peça teatral com direção de Hugo Rodas e elenco formado pela Agrupação Teatral Amacaca (ATA), em 2019 no CCBB, em Brasília-DF (foto Diego Bresani/divulgação)
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