Elza Zarur
Eurico,
Que saudades de você!
Que vontade imensa que hoje fosse Natal e que eu pudesse lhe telefonar cedinho e ir logo dando a “ordem do dia”, lembra?
Era mesmo engraçado e só nós entendíamos este meu comando: “coloque aquela camisa listrada de marinho e branco, tá? Não se esqueça, também, do perfume que lhe comprei e daquele sapato marrom novo, com a meia, quero você bem lindo nas fotos!
Ah, vamos marcar logo às sete e meia na esquina que sobe para o La Salle, porque não quero entrar na W3. OK? Um dos meninos vai lhe pegar.”
E era assim que o dia 25 de dezembro começava entre nós!
Como era bom!
Já acordava animada.
A mesa da ceia, eu gostava de ajeitar sempre de vésperas para testar cada brilho da decoração. A Vila do Papai Noel ficava no canto da direita, para que todos a vissem, logo de entrada. O centro, era sempre reservado para o velho presépio da nossa infância que todos os anos, não tem jeito, ainda me faz viajar nas lembranças.
Pareço ver o caminhar feliz da gente, mãos dadas, indo com a mamãe lá na beneficiadora do Sr. Carlos Soares para pedir dois montinhos de arroz com casca. Em casa, a gente os ajeitava no prato fundo esmaltado, forrado com algodão molhado, e não mais do que 3 meses eram necessários para que virassem uma matinha verde, de 10 cm de altura, que faria sombra à manjedoura.
Até pouco tempo atrás, eu ainda tinha o pedaço de espelho que ela usava para simular o laguinho dos patos. Acredita?
Era um charme esse detalhe!
De tarde, na copa, era hora de ajudarmos mamãe a fazer o Pão Dourado, aquele delicioso doce da nossa infância. O pão, o Sr Acássio já sabia, tinha que ser de véspera.
Quando a noite ia chegando, ela escolhia um de nós para acender, com a velha caixinha Fiat Lux, a vela do presépio que daria o clima de noite de lua com estrelas, para bem iluminar o caminho dos três reis magos.
O menino Jesus, isto já era tradição das antigas, ficava sempre escondido em algum cantinho e só podia nascer na hora em que, juntinhos ao presépio na sala da frente da casa, escutávamos mamãe com suas orações.
Pequenos que éramos, esse momento era enorme, gigante! E não era nada fácil ficar quieto, de joelhos, com aqueles vestidos de organdi piniquento para tentar entender a política dos seus perdões, que abrandava qualquer erro dos adultos, e conseguir acompanhar seus pensamentos sem conversa, olhinhos de lado e muita curiosidade.
Afinal, o importante para nós eram os presentes e o poder sair correndo, depois, exibindo alegria de criança que acreditava em Papai Noel.
Para mim, nada de bonecas caras, mas uma coisa eu fazia questão: que fosse só minha e que tivesse diâmetro suficiente para se ajustar ao meu colo de menina.
E surgia sempre, sem sabermos por qual dos milagres, carrinhos, caixinhas de bolinhas de gude, panelinhas, sabonetes para a vovó e bonecas de papelão, das imensas, com vestidinhos de retalhos iguais aos nossos, barrados e engomados com calda grossa de maizena.
E assim, de lembranças em lembranças, eu ia terminando a minha mesa…: o chester com farofa de miúdos bem molhadinha e enfeitado com os fios de ovos que refletia um lindo dourado em tudo; a tábua de frios sortidos; cesta de frutas; o tender caramelado com rodelas de abacaxi e cravos da índia; figos frescos; a bandeja de rabanadas que você gostava de comer antes da ceia e o som, bem natalino, alegrando todo o ambiente.
Eu deixava para o final o meu famoso, modéstia à parte, e bem disputado, bolo de nozes com cobertura de creme inglês.
Lembra?
Tudo pronto e era a hora de começarmos o nosso tão alegre brinde.
Antes, porém, no meio da tamanha confusão de conversas, você pedia tempo para dar uma geral na família e perguntar, por cada um, usando o nome duplo das Marias, de nós irmãs, e incluindo a imensa lista de sobrinhos.
Com seu famoso sorriso, queria notícias de todos, até dos vizinhos, menos amigos, meros moradores do lado. Você demonstrava a satisfação, por tudo e por todos.
Mas agora? Brindar como, Eurico? Brindar o quê?… diante de tantas saudades que sinto de você? Faz dias que lhe procuro e não o encontro. Como conseguiu sumir assim do nada, se fomos todos juntinhos, naquele dia 5 de agosto?
Precisamos programar as festas de final de ano e, por favor, onde quer que esteja, não se esqueça jamais, que estará, sempre, Presente No Meu Natal!
Meu beijo,
Elza
Elza Zarur é cronista e colaboradora do Coletivo Maria Cobogó. Complementando as atividades de companheira, mãe, avó e profissional, ela sempre encontra tempo para escrever suas lembranças. Assim, vai bordando o blog das Marias com a suavidade de seus textos.
Texto suave mesmo, que aflora os bons momentos pela lembrança. Só afeto! Lindo, parabéns!
Belo e emocionante texto!!! Aproveito para desejar-lhes um Feliz Natal e 2022 com muita saúde!