por Néia Costa * |

  “O que você tem que compreender é que homens negros sofrem suas violências. E que as mulheres negras sofrem outras. Algumas são parecidas. Mas, veja, somos diferentes. Nem sempre as causas são iguais.”

Jeferson Tenório em O Avesso da Pele (2020)

 

O que se destaca em relação à mulher negra é uma imagem sexualizada. Embora isso pareça arcaico, não é.

O Brasil possui o maior número de mulheres negras solteiras e sozinhas**. A maioria delas ocupa postos relativos a serviços domésticos.

Assim como no tempo da escravidão, a mulher negra ainda é rotulada como objeto de trabalho e diversão. Mesmo sendo independente ou bem sucedida, nada muda este cenário envolto de interferência social e histórica.

Não estamos falando apenas de racismo, da visão escravocrata e do imaginário social, estamos falando, sobretudo, de machismo.

Enquanto o racismo inferioriza e desqualifica a mulher negra que não se enquadra nos padrões estéticos da sociedade: ser branca, magra e ter cabelo liso – uma realidade que passa por um lento processo de mudança –, o machismo vincula a mulher branca ao tradicional, “a mulher para casar”.

A histórica marginalização do negro, em muitos casos, leva, inclusive, o próprio homem negro a construir um padrão marital. Muitos preterem a mulher negra, num desejo de não querer perpetuar sua raça, optando pelo “clareamento” de seus descendentes.

Por fim, que a mulher negra seja solteira por livre escolha, não por dificuldades sociais ou por preterimento. Acima de tudo, que ela seja livre para escolher o que quer e como quer. Que a sociedade desconstrua o racismo não só no belo discurso e no “textão” na internet, mas principalmente na prática. Que o casamento seja uma opção livre de adjetivos e que a mulher negra deixe de ser objeto de fetiches.

Que o amor entre pessoas não se deixe contaminar por padrões de corpo, beleza, cabelos, pele, ideologia, religião, etc. Que o amor seja apenas isso: amor .

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*Lineia Costa é quilombola, nascida em Berilo-MG.  filha de dona de casa e lavrador e irmã de três. Em 2010 mudou-de para Brasília e iniciou as atividades laborais na cozinha de uma casa, onde além do gosto por temperos, também deu início ao gosto pela redação e pela leitura.
É formada em comunicação social, habilitada em publicidade e propaganda, especialista em comunicação institucional e redação oficial. É colaboradora do Coletivo Maria Cobogó desde sua fundação.

** No estudo Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, levantado pelo IBGE, de acordo com os dados, nosso país tem mais de 11,4 milhões de famílias formadas por mães solteiras, sendo que a grande maioria delas é negra (7,4 milhões).

Imagem: Marie-Guillemine Benoist – Retrato de uma mulher negra (1800), Museu do Louvre (Paris, França)