por Elisa Maria Mattos * |
Não, não teve festa de inauguração do cobogó. Ninguém foi escolhido ou rejeitado ou esquecido para a grande festa. Na época, apenas recebi de surpresa a visita de três amigas, que trouxeram espumantes, claro, e criamos um fato para animar o encontro: a inauguração do cobogó, símbolo de uma saga de seis meses, período que durou a reforma do apartamento onde eu morava havia 20 anos.
Obra necessária, como em qualquer outro imóvel antigo: troca de fiação, do encanamento, pintura vencida, azulejos cafonas, armários mofados, vasos sanitários de louça marrom (sério isso?). Enfim, caso tudo, só não quebrei parede, era demais para o bolso e paciência.
Foram umas 30 idas ao SIA para pesquisar preços, escolher, comprar, trocar, comprar mais, reclamar do atraso na entrega do material, “precisa de mais um metro de fio”, “o rejunte não deu”, “a senhora quer o sifon de pvc ou de aço ?? (o que é sifon, meu dios?).
Meses e meses mergulhada num mar de poeira, no barulho das máquinas, “morando” dentro de um quarto intransitável. E sem poder dar um perdido, fugir, surtar, desistir. Começou, tem que acabar.
Tá, mas e o cobogó com isso?
Eu decidi que queria uma pequena divisória na sala que tivesse a cara de Brasília, que marcasse minha ligação com a cidade onde fui criada e o papel do meu pai na sua construção. Enfim, uma viagem só minha, uma homenagem a uma história pessoal, fácil de executar, afinal cobogó está na moda, tem em tudo que é loja de construção, pensava eu.
Porém, se podemos complicar, pra quê simplificar, né? Decidi que queria o tipo original, de cimento mesmo, como na maior parte dos prédios anos 60 da cidade. E cadê? a busca se tornou um cansativo desafio. Nas lojas só me mostravam os de louças ou esmaltados, coloridos, caros à beça, mais usados em cozinhas e banheiros. Não era o que eu queria.
Reforma ficando pronta e nada de eu achar meu cobogó. Até que numa das idas ao SIA, vi exatamente o que eu desejava na vitrine decorativa de uma dessas lojas top do gênero. Consegui comprar a ultima leva das peças. O mosaico que desenhei não era inédito, não tinha intenção de ser a diferentona da Asa Sul, queria apenas um bendito cobogó na minha sala, irradiando lindamente a luz do sol pelo espaço. Ou apenas se exibindo para mim dentro de casa.
A escolha foi por seis modelos diferentes, que deveriam ser montados de forma a que jamais duas peças iguais ficassem juntas. Um quebra-cabeça matemático para o mestre de obra, que entrou no meu jogo e fez os cálculos para encaixar as medidas, afinal não tinha como cortar a peça ao meio para nivelar. Também não deixei pintar o painel para igualar a tonalidade, como queria a arquiteta. Eu queria todas as imperfeições de uma obra bruta expostas: algumas peças são mais queimadas, outras têm ranhuras, buraquinhos, tons diferentes na mesma naturalidade. Nada de camuflar os “defeitos”, cada peça conta a sua própria história, com todo o seu encanto.
Obra pronta, tudo certo, tudo bonito, me bateu uma conclusão, que não foi meu propósito consciente ao decidir modificar a casa. Fiz um reforma na minha vida. Mudei tudo de lugar, abri espaço, fechei passados, me desfiz de entulhos. As paredes estão mais claras, Os ambientes ganharam luz nova, o chão brilha e tem até uma brisa cheirosa aqui dentro.
E o cobogó? Aah, o cobogó é apenas a cereja do bolo.
E que cereja, viu?
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*Elisa Maria Mattos é jornalista, editora, escritora e poeta. Foi uma das fundadoras do Coletivo Maria Cobogó, por onde editou seu primeiro livro de poemas – Meu Reverso. É finalista do I Prêmio Maria Firmina de Literatura, voltado para autores negros.
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