por Solange Cianni *|

 

Tem hora que o vazio é tanto que nem uma caixa inteira de bombons resolve o problema. E é aí que mora o perigo…

Nessa hora se você não se ocupa de algo que realmente lhe preencha, cai na armadilha da carne fraca. Quero dizer que não é necessária nem uma cantada especial.

Duas taças de vinho tinto, uma conversinha besta e já era… É triste no dia seguinte, quando acorda com o ronco daquele que é conhecido como o bagaço da festa, o último a sair do boteco, aquele que já está para lá de rodado.

Maria Aparecida era especialista em atrair situações como essa, por pura carência. Foi no dia anterior que assistiu a um filme pornô, resolveu sair sozinha e tirar o atraso. Já tinha tomado umas três caipirinhas e ele, calejado, sentiu que era a hora do ataque. Quando deu por si, já estava no apartamento dele, ouvindo a nova música do Luan Santana, incrível!

Nem conhecia o tal cantor, mas dançou e cantou sedutora e tonta. Tão tonta que nem reparou que ele era muito feio e fedia a bebida e cigarro. Que sua casa era toda desorganizada, abafada e nem se lembra se ele usou camisinha. Mas não se esqueceu do ronco que a acordou no meio da madrugada. E daí para frente não conseguiu mais dormir. Rolava de um lado para o outro da cama desconfortável. Sentia um calor insuportável! E ele lá, de barrigão para cima, roncando…

De repente se deu conta de que não precisava passar por isso e decidiu ir embora. Mas lembrou-se de que estava sem carro.

– Posso chamar um Uber! Pensou, animada.

Não achava sua calcinha. Procurou embaixo da cama mas achou o outro par da sandália. A blusa estava no sofá da sala, junto do sutiã.

– Graças a Deus!

A saia estava jogada na mesinha de cabeceira. Ela tropeçava e xingava, mas ele nem se mexia…

– São Longuinho, São Longuinho, me ajude a achar a minha calcinha! – falava dando pulinhos.

Nervosa, cheia de sono, desejava urgente um banho para tirar o cheiro dele que estava impregnado nela. Só pensava na sua caminha macia e cheirosa. Decidiu ir embora sem calcinha mesmo.

Ah, se arrependimento matasse, Maria Aparecida estava mortinha da silva no dia seguinte!

– Que decadência! Onde está o seu amor próprio, sua dignidade? Falou olhando-se no espelho pela manhã.

E não adiou nem mais um dia o retorno à sua terapia.

 

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Solange Cianni é escritora, atriz, pedagoga e psicopedagoga. Tem vários livros editados para o público infantojuvenil e escreve contos e poemas em antologias e coletâneas. Cigarras, Lagartas e outras Marias foi seu primeiro livro voltado ao público adulto. É dele o conto acima. O livro contém o que ela chama de “eróticos românticos”. Como outros de seus livros, esse também foi editado pelo Coletivo Maria Cobogó, da qual é uma das fundadoras.

O livro Cigarras, Lagartas e outras Marias pode ser adquirido no Sebo Dom Caixote @domcaixotesebo