por Elza Zarur * |

 

A promessa era bem antiga: ao voltarmos para o Brasil vou levar você para conhecer o pé de sapoti! Prometo!
Desde os tempos em que, para enfrentar os gelados finais de semana em Washington, a família toda se aconchegava no basement, abarrotado de brinquedos, lareira bem quentinha, eu distraía Marina, a caçula dos três filhos, contando histórias.
Para ela, nenhum assunto era mais emocionante do que ir ao meu mundo de criança passado na velha Visconde do Rio Branco.

Uma, duas, três vezes, ou muito mais do que isto, eu tinha que ficar repetindo histórias e minha infância não podia jamais ter fim a não ser que o sono chegasse e que o branquinho da neve, pelos vidros, virasse noite escura e ela dormisse feliz.

Era sempre assim!

O pique-pega ao redor da Fonte da Praça; os cabras-cegas no sobrado da querida tia Pequita; as brincadeiras na casa da Enedina ou da Isis, onde o quartinho de costura da D. Olga me fascinava e eu fazia, da minúscula meia hora que mamãe me deixava ir, um dia de imaginação viajando entre sobrinhas de retalhos e moldando botõezinhos de papelão nos vestidos das bonecas. Mas, quando o relógio me alertava eu voltava correndo para casa e ia direto para o pé de sapoti.
Ali, entre galhos com folhagens verdinhas e fechadas, embaixo de umas madeirinhas bem ajeitadas, eu guardava toda a família de “filhinhas” e, lógico, meus segredos infantis.

Era a minha casinha de bonecas!

Tinha até escadinha para subir. O máximo!

Tudo era assunto. E Marina, com seus olhinhos brilhando, tinha certeza absoluta de que minha cidade natal era idêntica à fazenda do Chico Bento.
Até que em 2003, ela com 16 anos, fomos para Rio Branco.
Ao chegar, logo na entrada da cidade, bem perto do Clube dos Cinquenta, eu pedi para meu marido parar o carro.

Queria, a pé, bem devagar, ir exibindo a ela e a uma amiga, as lembranças do passado:  o Grupo Escolar Padre Antônio Corrêa; a rua da D. Júlia que fazia picolé de K-suco de framboesa (a boca ficava vermelhinha e eu achava lindo); a venda onde comprava aqueles suspiros cor de rosa, enormes, cheios de bolinhas coloridas; chicletes Adams; goiabada em triângulo…e assim fomos.
De repente, numa esquina, vi dentro de uma varanda uma senhora bem idosa.

Parecia esperar o tempo, esquecida de si própria.

Olhei-a fixamente – precisava reconhecê-la de qualquer forma e encontrar um pouquinho, um tiquinho apenas que fosse de intimidade entre nós. Queria trocar saudades, saber da família, dos vizinhos, ir casa adentro, sem cerimônia, perguntando logo pelo café e revendo todos do meu passado. Impossível!

Houve apenas troca de olhares e silêncio.
Fui embora na maior decepção com a realidade. Mas a amiga, percebendo minha tristeza, insistiu para que eu voltasse.

Voltei … parei de novo … acomodei as bochechas entre as grades da varanda e ali fiquei. A acompanhante da senhora idosa, estranhando muito, indagou: perdeu algo aqui? Quer alguma informação?

Meio sem jeito, eu respondi: “- não, não perdi nada, mas queria muito, muito mesmo, saber se ela, por acaso, conheceu a minha mãe…. quem sabe? Seria tão bom para mim!”

Para meu espanto e absoluta surpresa, ao ver-me de frente, Tina, a acompanhante, inesperadamente, respondeu: “- a árvore que sua mãe tanto gostava, o pé de sapoti, está lá! “.
Perplexas, nós não tivemos olhos para acolher tantas lágrimas!

Não podíamos acreditar em tamanha coincidência!

Como?

Como ela pode falar exatamente no pé de sapoti, motivo da nossa viagem e famoso que era unicamente para mim?

Como assim?
Completamente sem graça, pediu desculpas pelo desconforto e disse que viu, na minha pessoa, minha mãe, D. Eponina, que ela tanto conheceu.
Continuamos a caminhada e chegamos até minha velha casa.

Hoje, é o famoso Clube dos Bancários e, em meio a todo o piso de cimento, só deixaram ficar apenas uma árvore: o Meu Pé de Sapoti.

Agora, uma história na minha vida.

 

***

 

Elza Zarur escreve crônicas. Relembra a infância com o coração e a doçura de suas lembranças. Colaboradora do Coletivo Maria Cobogó, vai contando suas histórias para o prazer de nossos leitores.

 

O sapoti tem o nome científico de Manilkara zapota. É um fruto que veio da América Central e se adapta a climas tropicais. Rico em vitaminas B,C, ferro, fósforo e cálcio, pode ser consumido ao natural ou em compotas e doces. Sua madeira é usada na carpintaria.