por Ana Maria Lopes * |
Já pensou nascer em um país e três ou quatro anos depois ele desaparecer?
Um país, para existir, tem que ter critérios ditados pelo direito internacional. Ter população nacional, independência e governo também. Mas como tudo na vida, países nascem e desaparecem pelas circunstâncias e interesses humanos.
Elencar os países que desapareceram e deixaram apenas selos como rastro de sua passagem no planeta fez parte de uma pesquisa do escritor norueguês Bjorn Berge.
Lugar Nenhum – Um Atlas de Países que Deixaram de Existir se tornou livro em 2016. Agora, cinco anos depois, o livro chega ao Brasil pela editora Rua do Sabão. São 240 páginas onde o autor nomeia os países que desapareceram entre 1840 e 1970.
O selo foi o foco da pesquisa e a forma pela qual o autor define e destaca o país. Ele enumerou cinquenta espaços do globo terrestre que um dia desejaram constituir uma nação. Para mostrar que esses países existiram de fato, Berge saiu atrás de selos que, segundo ele, “é uma prova concreta” da existência do Estado.
O mais duradouro dos países foi o Estado Livre de Danzig, na Polônia. Foi um espaço geográfico retirado da Alemanha em 1920. Durou dezenove anos e criou o seu selo – um navio e a inscrição “Correio Polonês”. Hitler invadiu Danzig, acabou com a soberania do novo país e deu o pontapé para a 2ª Guerra.
Outro país efêmero foi a República do Extremo Oriente. Fundada por socialistas moderados que pretendiam dar, pós-revolução bolchevique, um trato suave e democrático ao sistema vigente. O selo tem estampado uma âncora e uma picareta cruzadas sobre ramos de trigo. Qualquer referência à foice e o martelo não é coincidência.
Na América do Sul, o território de Corrientes, na Argentina, existiu com um selo representado pela figura de Ceres, deusa da agricultura.
Bjorn Berge registrou mais de mil casos e sua pesquisa teve que ser limitada. Os mais recentes, como a República dos Balcãs, a antiga União Soviética e o Estado Islâmico não foram contemplados. “A História precisa maturar”, diz o autor.
Se quisesse ampliar sua pesquisa, exemplos não faltam na geografia mundial. Desde o reino da Lícia, na Ásia (1250 a.C), passando pelo Império Austro-Húngaro (1867-1918) e pelo curioso Reino do Havaí. Antes de se tornar um dos estados americanos, o Havaí era independente e exercia forte influência entre os países do Pacífico. Em 1810, as ilhas havaianas foram unificadas e se transformaram em uma monarquia. Mas um golpe levou o Havaí para os Estados Unidos em 1959. O selo recorria aos aspectos da heráldica havaiana.
No livro, não há exemplos brasileiros, mas o autor conhece as Repúblicas do Acre (1899-1903) e Cunani, no Amapá (1886-1891).
Rastrear esses países é uma maneira de recordar a história e constatar que não só os astros estão em movimento. A geopolítica também.
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*Ana Maria Lopes é jornalista, escritora e fundadora do Coletivo Maria Cobogó.
**Bjorn Berge é escritor, arquiteto e colecionador noruguês.
Imagem: capa do livro Lugar Nenhum: o atlas dos países que deixaram de existir / Bjorn Berge; Tradução de Leonardo Pinto Silva – Santo André – SP: Rua do Sabão, 2021.
Fonte: Folha de São Paulo, agosto de 2021
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