por Neia Costa * |

 

Violet parecia incerta sobre pular ou não. E pulou.

Quando eu tinha 10 anos fomos a um piquenique da empresa do papai num parque e eu pulei na piscina, você se lembra disso? Meu cabelo virou um ninho, e todas as crianças começaram a rir de mim. Você me arrancou da piscina, me colocou dentro do carro e fomos embora. Me pergunto quem eu seria se você tivesse me abraçado e dito que eu ainda era linda.”

Nesta comédia romântica, Violet é uma publicitária bem sucedida que acredita que pode ser uma mulher perfeita. Pelo menos faz de tudo para ser, até porque foi assim que sua mãe, Paulette, a ensinou, como uma receita mágica para agradar os homens.

O câncer da bela e contida Violet é a perfeição. A batalha silenciosa contra a chapinha tinha um alvo certo: a busca pelo liso perfeito. A ausência de frizz. A ausência de defeitos.

Por conta de um erro químico, após uma decepção amorosa, Violet acaba raspando o cabelo, e se vê, involuntariamente, entrelaçada num processo de autoconhecimento. Não espere aqui uma mulher empoderada que fez o big chop (corte dos cabelos lisos) e saiu pelas ruas assumindo seus belos cachos. Violet amarrou um lenço na cabeça, curvou os ombros e se escondeu no banheiro.

Abre aspas.

O que está enraizado na sociedade é o preconceito contra o cabelo crespo e a negação pelo cabelo natural. Daí, a transição capilar diz mais sobre resistência às regras impostas pela sociedade que sobre o cabelo propriamente dito. Passar pela transição capilar exigiu que alguém desse o primeiro passo para que muitas ousassem ser quem realmente é. E não é moda. Trata-se de uma manifestação silenciosa, mas vistosa, de homens e mulheres que não deixaram que os julgamentos da sociedade os impedissem de viver a própria vida.

Mas o assunto aqui é a Violet, certo?

Fecha aspas.

No processo de aceitação, Violet encarou julgamentos da própria mãe. E, quando foi finalmente pedida em casamento, viu seu mundo cair por terra quando seu namorado a pediu para deixar o cabelo liso na festa de noivado para que não causasse estranheza em seus familiares.

Me pergunto quem aqui já ouviu uma mulher justificar o uso da chapinha por causa do companheiro, que gosta de cabelo liso. Ou quantas já sentiram que jamais compartilharia uma mesa com os pais do namorado porque ele jamais apresentaria uma crespa à família.

Violet aprendeu cedo que deveria ser perfeita para fazer parte da sociedade. Uma sociedade que entende que o cabelo que não é liso é ruim, é feio.

O filme, dirigido por Haifaa al-Mansour e escrito por Adam Brooks e Cee Marcellus traz para a pauta uma temática em discussão muito anterior ao ano de 2018, quando foi lançado. Felicidade por um fio é mais que uma trama protagonizada por uma mulher negra, mas, sobretudo, a discussão sobre seus desafios na sociedade, racismo e machismo.

E está longe de ter um final feliz para sempre.

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* Neia Costa é mineira de Berilo, MG. É quilombola, formada em Comunicação Social, habilitada em publicidade e propaganda e especialista em redação oficial e comunicação institucional. Escreve, produz, vende, agita, idealiza e é extremamente hábil em conquistar corações. O Coletivo Maria Cobogó se rendeu a ela há muito.