por Gabriela Braga * |

 

Cê tem uma coisa que move a sua atenção quando acontece, invariavelmente?

Eu tenho algumas. E talvez a mais poderosa seja a chuva. Não importa onde esteja. No mato, pertinho da natureza é sempre mais poderoso, esse princípio. O silêncio, a fuga dos bichos, o vento, o primeiro cheiro de terra e planta molhada (às vezes o cheiro dos bichos molhados. Meu cachorro, em especial).

Mas, em plena cidade, ontem, fui pega por um encantamento que me fez dirigir abaixo da velocidade, pegar a faixa direita e vir pra casa quase hipnotizada pelo vapor que subia do asfalto. Ondas e ondas e ondas de uma fumacinha linda resultante do choque entre o calor do asfalto e o frio da água, logo quando a chuva começa.

Eu ali, bem desligada do mundo, lendo os desenhos, a dança. Deslumbrada que chama, né?

Pois. Paro num sinal e um moço que vende música por uns trocados ali larga o instrumento na caixa (um sax) e sai dançando com aqueles mesmos movimentos de fumaça úmida… Como se fosse um par.

Eu, besta, sem conseguir piscar, ria por trás da máscara, mas meu olho não disfarçou a emoção e logo se encheu de água. Findo o espetáculo, ele chegou na minha janela, pra recolher meu ingresso. Eu estendi a mão com o que tinha em espécie. Ele pegou, simulou um beijo pra mim, no dorso da própria mão, e disse que, se pudesse, nem pegava o dinheiro, porque minha atenção era tudo que ele precisava depois de um dia inteiro de invisibilidade e nenhuma troca. E que valia muito mais pra ele a minha lágrima de emoção.

Não preciso dizer que dali em diante chorei. Desaguei, como a chuva, cada vez mais intensa, forte, lavando tudo. Chorei a dor de um mundo que não ouve música, não vê o moço dançar, não sente a chuva. Não se irmana com nada.

E cheguei em casa, sã, salva. Literalmente. O céu já se mostrava, entre estrelas e nuvens, mais uma vez. Bem a tempo de abrir uma janelinha e deixar passar os últimos tons de um pôr do sol que pintou tudo de um laranja-dourado.

Disseram que, do outro lado da cidade, teve arco-íris duplo!

 

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*Gabriela Braga é produtora de Cultura e Comunicação, gestora de Relacionamento, Projetos e Pessoas, produz conteúdo multimídia, é assessora de imprensa e tem expertise em tudo o que se refere à comunicação. Além disso, é dona de uma sensibilidade ímpar e de textos que emocionam.

Imagem: foto por Jane Hobson