por Débora Moura * |

 

O Teatro Castro Alves era um mar de pretos. Cadeira sim, cadeira não de diversos cabelos e penteados, vestimentas africanas, códigos da minha gente. Era uma noite pra celebrar.

O Bando de Teatro Olodum lembrou de onde viemos e o que fizeram antes de nós #Zumbi, #Dandara e outros líderes da luta negra no Brasil. Um espetáculo pra nos saudar, nos reverenciar e reverenciar os ancestrais. Lembraram dos navios negreiros aos dias de hoje, lutas e conquistas do nosso povo.

Meu pai subiu ao palco, altivo como sempre, e pouco conseguia disfarçar a vaidade da homenagem: 1º Prêmio Mérito da Igualdade Racial da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo da Bahia – “Com racismo, não há democracia” para o primeiro presidente da Fundação Cultural Palmares, meu pai, Carlos Moura.

Eu me preocupava com a escada que levava ao palco enquanto ele subia, ficando grande, gigante, maior que o próprio teatro. Pegou o texto que preparara e discursou com a força de um homem da lei, um dominador da oratória. Lembrei das histórias que contavam de que seu pai biológico, que ele nunca conhecera, ia escondido à Praça Araribóia em Niterói pra ouvir seus discursos de líder do DCE da UFF, aspirante à política social e democrática.

As palavras que eu já sabia quase de cor foram saindo de sua boca embaixo da máscara, amplificadas pelo microfone, num êxtase da plateia. Citava grandes líderes do movimento negro da Bahia, a criação da Palmares, agradecia aos idealizadores do prêmio. Falava da nossa família, agradecia minha mãe Gloria e terminava numa mensagem de esperança pro Brasil e pra população negra. “Nosso encontro de hoje e de sempre significa que o movimento negro e seus aliados estão permanentemente juntos, de novembro a novembro”.

Aí eu vi, mais que nunca, o líder. Pediu licença e falou outros 3 minutos além dos 3 que lhe tinham concedido. Falou de um mundo novo, de paz, sem desigualdade. Falou do sonho e da certeza de que nós já começamos a construir o futuro e a viver esse sonho. Disse ser iluminado por aquele momento, sentindo o pulsar dos corações ali presentes.

Para nossa família o prêmio foi um reconhecimento inesquecível à contribuição de meu pai, à sua luta e à coerência de sua trajetória.

Antes dos aplausos finais, ele falou no resgate dos valores da negritude. Desceu do palco ovacionado. E eu embaixo, ainda preocupada com os degraus da escada, me enchia de orgulho. Meu pai era naquele momento um verdadeiro herói preto.

Terminamos ao som do Ilê, cantando e dançando em alegria e celebração. Certos da necessidade de nos conectarmos cada vez mais com nossa história e nossas vivências.

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*Débora Moura é mulher, negra, mãe de Marina, filha de Carlos e Glória Moura, jornalista e produtora. “Afinal, tudo é uma produção!”, diz. Sua pauta na vida é a diversidade e a inclusão no ambiente corporativo e o respeito à ancestralidade.