por Christiane Nóbrega * |

(num dia qualquer, em 2016)

 

Nunca fui muito habilidosa com trabalhos manuais. As roupas das minhas bonecas eram amarradas, coladas, nada combinava. Uma tragédia! Admirava quem conseguia costurar as roupas. Até hoje nem botão sei pregar! E a estética? Uau! A combinação perfeita de cores, a ousadia nos adereços, um estilo próprio, sempre babei em mulheres e meninas com essa capacidade de nunca estar na moda e sempre terem sua identidade fazendo seu próprio estilo, rompendo com o óbvio do senso comum e dando asas à criatividade sem se preocupar com os olhares e opiniões nada proveitosas.

 

Já na idade adulta eu consegui realizar um pouco dessa liberdade. Em 2011 deixei de pintar os cabelos e, por volta de 2013, de escová-los. Não me lembro muito bem quando passei a ignorar as regras de vestuário da advocacia, imagino que tenha sido tão logo me formei, exceto, claro, nos casos que, para entrar no Tribunal, tenha que estar assim ou assada. Sim, ainda tem disso por aí e acabo encarando para evitar a fadiga.

 

Tudo tem um custo. Minha decisão quanto à minha aparência já me fez ouvir vários comentários ruins e outros tantos machistas:

 

– Nossa! Pinta o cabelo. Vai ser mais respeitada! (ignorei)

– Ué? Você é advogada? Achei que era estagiária. (fiquei feliz, sinal que me achou nova)

– Toma aqui 15,00 para você comprar uma tinta! (recebi e comprei picolé)

– Seu marido deixou? (também mereceu silêncio como resposta)

 

Nenhum desses comentários ou de outros não listados, me fez demover da ideia de ser eu mesma, de me olhar no espelho e me reconhecer, de ver a Christiane lá, exatamente como ela é: com acne adulta, com cabelos brancos e seus cachos com vontade própria, qual sua dona, com sua história indelével em seu corpo em forma de rugas, peitos flácidos, estrias e cabelos brancos. Alguns dias me acho linda, outros tenho certeza, outros me acho feia. O fato é que em nenhum deles minha aparência é decisiva para o que sinto, mas sim todo o contexto do meu dia. Quem nunca se achou linda de chinelo e caneta prendendo o cabelo? E feia pronta para um baile de gala?

 

Não sou a primeira mulher a agir assim, tentando ser ela mesma e buscando sua identidade no visual. Várias outras abriram caminho para que eu hoje pudesse, tão tranquilamente, nunca pintar as unhas ou escovar os cabelos. E elas fizeram em épocas muito mais difíceis. Uma delas foi Carmen Miranda, sim, aquela das frutas no chapéu.

 

Nunca havia lido nada sobre Carmen Miranda até me deparar com o Carmen, a pequena grande notável de Heloísa Seixas, Júlia Romeu e Graça Lima – Edições de Janeiro. Engraçado que o comprei naquelas megas promoções de novembro e sequer o tirei do plástico por meses. Parece que tudo tem sua hora e deste livro foi sábado passado.

 

Desde menina Carmen Miranda costurava as suas roupas. Já adulta, pensou seus sapatos (ela inventou os sapatos de plataforma) e seus chapéus. Criou um estilo próprio e único de cantar que se eternizou. Virou lenda, virou mito. Carmen Miranda, hoje, muitos anos após sua morte, faz parte do imaginário popular brasileiro como símbolo de alegria e autenticidade. Isso em um tempo que mulher sequer era autorizada a ter um bem, quanto mais a ser ela mesma.

 

A leitura desse livro foi uma verdadeira delícia, com direito a cantar os sambas eternizados na voz da Grande Pequena Notável, dançar imitando-a e assistir a seus vídeos na internet. A história de Carmen, por si só, já é incrível – como se fosse possível – fica ainda melhor na narrativa desse livro imperdível! Uma leveza, uma poesia…recomendo muito!

 

Obrigada, Carmen Miranda! As frutas dos seus chapéus abriram alas pros brancos, crespos, verdes, azuis que hoje vemos por aí!

 

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*Christiane Nóbrega é escritora, advogada, fundadora do Coletivo Maria Cobogó e única dona de seu nariz. Ah! E tem uma risada pra lá de gostosa!

Imagem: Reprodução da ilustração Chica Chica Boom Boom pela artista Trisha Krauss em www.trishakrauss.com