por Eva Leones * |
Hoje pensei em você como quem pensa num poema
Um poema que anda por aí
Nos odores das frutas, nas calçadas,
Cigarros, maçãs, café
E flor
Um poema que se espalha nas folhas das árvores
Do outono e do inverno no chão da cidade
Nos jardins da cidade, sua grama amarela,
Nos galhos ressecados, crocantes, ariscos
Da cidade
Hoje pensei em você como quem sente um poema chegando
Nos passos, nas pernas, no modo de falar cadenciado
Segundo uma melodia regional
Um poema que atravessa avenidas e se expõe
Aos automóveis e ao sol do amanhecer e do anoitecer
Ou
Um poema que espreita da janela de um apartamento,
De uma quitinete em uma região central (no entanto),
De um escritório ou uma cozinha de restaurante,
De uma fresta no subterrâneo num lugar qualquer
Que é, na verdade, o lugar de quem vê
De quem vê a partir de seu eu,
De sua particularidade, de sua nuance
Única, insubstituível
Hoje pensei em você como quem pensa num longo poema
Um poema sem tempo determinado
Sem rima explícita
As margens fugidias, melodias inexatas,
Ângulos, instantâneos
Hoje pensei em você e notei que já não era
Pensar
Meu pensamento
Era sentir
* * *
*Eva Leones é escritora e doutora em Letras pela USP. Promove cursos e oficinas de literatura e formação de leitores e escritores em @travessiasdaliteratura. Sabe que a poesia é necessária e produz e divulga textos próprios e de outros autores. O poema acima foi publicado em seu primeiro livro Tempo/Pássaro pelo Coletivo Editorial Maria Cobogó.
Imagem: reprodução de foto de Antonio Mora.
A poesia revolve o pensamento e extrai dele uma inquietação, um sentir doce. Que bonitos versos, Eva Leones!