por Ana Maria Lopes
Não há dúvidas que a América Latina é uma das regiões mais difíceis para a sobrevivência da mulher. Seja em questões de qualidade de vida, seja em questões de direitos humanos.
Mas sempre houve resistência. Desde a escravidão, passando por grandes momentos de nossa história, a mulher teve um papel importante e nada secundário na construção de sua cidadania. Mas como não cabia a ela escrever a história, a participação feminina ficou restrita ao olhar masculino.
Foram muitos os embates durante o período da escravatura, a luta pelo voto e o pioneirismo nas ciências. Avançamos muito, mas mesmo assim, pouco para uma existência plena.
Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas de 2018, a cada seis horas uma mulher é vítima de feminicídio no mundo, sendo 58% mortas por ex-companheiros ou conhecidos.
No Brasil, o número de estupros, nesse mesmo ano, foi de 66.041 segundo dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. É preciso um basta. Luta-se e grita-se muito para isso. Mas o grito maior de denúncia e socorro veio agora do Chile com o Coletivo LasTesis e foi se espalhando e viralizando, alcançando países e cidades como México, Istambul, Londres, São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York, Barcelona, Bogotá, Madrid e agora Brasília, entre muitas outras.
No Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher, mulheres chilenas começaram a cantar “E a culpa não é minha, nem onde estava, nem como me vestia”. E o canto foi se espalhando e, com ele, uma coreografia de corpos com olhos vendados chamando a atenção para a dificuldade da sociedade e da justiça frente aos casos de violência contra a mulher.
A escalada da violência policial no Chile nos últimos protestos de rua levou mais de 11 mil pessoas aos hospitais, segundo a organização Humans Rights Watch. Entre esses casos, há mais de 71 denúncias de abuso sexual. As atrocidades continuaram com o desaparecimento da ativista e artista de rua Daniela Carrasco. Ela foi encontrada enforcada e amarrada a uma grade no centro de Santiago. Enquanto as autoridades tratam o caso como suicídio, testemunhas apontam as forças policiais como responsáveis.
O movimento cresceu e as redes sociais impulsionaram a causa. O Coletivo LasTesis entregou a letra da música – que se transformou em hino das mulheres – para todos os grupos feministas. E o canto diz tudo:
“Un violador en tu camino”
El patriarcado es un juez,
que nos juzga por nacer y nuestro castigo es
la violencia que no vês.
El patriarcado es un juez
que nos juzga por nacer
y nuestro castigo es
la violencia que ya vês.
Es feminicidio
Impunidad para el asesino
Es la desaparición
Es la violación
Y la culpa no era mía, ni dónde estaba, ni cómo vestía
El violador eras tú
Son los pacos
Los jueces
El estado
El presidente
El estado opresor es un macho violador
El violador eras tú
Duerme tranquila niña inocente,
sin preocuparte del bandolero,
que por tus sueños dulce y sonriente
vela tu amante carabinero.
Com esse movimento, mulheres do mundo inteiro ganharam mais um suporte na luta contra a violência, o abuso e a discriminação. Afinal, “a culpa não é minha, nem onde estava nem como me vestia”, mas é nosso o direito de lutar por dignidade e de gritar: basta!
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