por Ana Maria Lopes *

 

Estava na frente do quadro Noite Estrelada, do Van Gogh. Ficava numa pequena sala do Museu de Arte Moderna de Nova York – MoMa e, de repente, me vi sozinha com ele. O quadro e eu. Um arrebatamento, uma sensação de plenitude me invadiu e chorei. Não um choro miúdo, mas uma cascata de lágrimas que descia sobre meu rosto.

Uma segunda vez foi ao subir as escadas de um metrô em Milão. Da penumbra do subsolo ascendi a uma praça e a primeira visão foi a do Duomo, catedral gótica toda branca com imensos pináculos e agulhas decoradas. Foi um êxtase, uma incrível visão que me tonteou e me deixou embriagada de beleza.

A terceira vez foi mais sutil, mas não menos intensa. Ouvia pela primeira vez o Adágio in G menor de Albinoni. Nos primeiros acordes desceram algumas lágrimas e ao final da peça me vi aos prantos, tal a emoção que tomou conta de mim.

O que antes eram momentos de sensibilidade passou a ser, hoje, tratados como doença. Sim, doença. Tomei conhecimento disso em uma conversa entre membros do clube de leitura do qual faço parte. Ao se mostrar emocionada com uma leitura, uma amiga afirmou: “Eu sofro da Síndrome de Stendhal. Imediatamente, outros amigos relataram fatos semelhantes.

“Já passei por algumas situações de epifania diante de obras de arte… e não paro de chorar copiosamente, como se tudo estivesse iluminado e fizesse sentido para mim. Uma alegria incomensurável”.

“Na Catedral de Sevilha tive um sintoma assim. Tive que sair para respirar e recuperar o fôlego”. “Senti uma emoção descomunal diante da estátua original de Davi, em Florença.” As situações eram repetidas por vários amigos. Um deles disse que teve uma crise de choro diante do túmulo de Maquiavel e outro pranto diante da casa de Karl Marx. Ela não sabia que tinha a Síndrome de Stendhal e se justificou dizendo que “era o meu eu de cientista política em absoluta reverência”. O sintoma foi paralisação e desligamento. Outra amiga contou que perdera as malas em uma viagem e, para esfriar a cabeça, foi ao Vaticano. Lá, se encantou tanto com a Capela Sistina que só voltou ao hotel à noite – sem malas, mas em êxtase.

Mas a história começa mesmo com Stendhal, escritor francês que, ao visitar a Basílica de Santa Cruz, em Florença, foi tocado pelos afrescos do pintor renascentista Giotto di Bondonne e extremamente comovido com os restos mortais de vultos artísticos que ali repousavam. Stendhal escreveu depois que, naquele momento, sentia como se a vida tivesse sido sugada de dentro dele e descreve as sensações como celestiais.

A partir daí, a Síndrome de Stendhal ou Síndrome de Florença ou ainda Hiperculturemia foi tratada como uma doença psicossomática que pode acometer algumas pessoas expostas a obras de arte.  Declarada pela ciência como uma doença em 1979, várias pessoas fizeram relatos onde apareciam vertigens, taquicardia, prantos, desmaios, confusão mental e até alucinações.

Entre as várias explicações científicas, há a jornada da alma “capaz de despertar um enredo de emoções e sentimentos que nem todos conseguem administrar”.  Segundo a psiquiatra e psicanalista italiana Graziellla Magherini, ao viajar, o ser humano se torna vulnerável, perde seus códigos e tem que se reconstruir permanentemente.

Em linhas gerais, acredita-se que a síndrome é um processo positivo, um desconcerto ante a beleza e a arte. Há pontos negativos, mas não vou me alongar.

Em tempos de doenças desconhecidas, onde a incerteza, as dúvidas e o medo fazem mais parte de nossas vidas do que o belo; onde o ser humano mostra mais seu lado bestial do que divino; onde matar mulheres, negros e índios não mais traz indignação à humanidade; onde a arte ficou relegada ao descaso; onde uma ou oitenta mil vidas não fazem diferença,  ter a Síndrome de Stendhal é um acalanto, uma benesse, um prêmio por pertencer à raça humana e uma convicção de que nem tudo está perdido.

 

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* Ana Maria Lopes é jornalista, escritora, fundadora do Coletivo Editorial Maria Cobogó e sofre de Hiperculturemia.