Claudine M. D. Duarte * |

“Vieram ver o estranho fenômeno que havia infringido as leis da Eternidade, mas que não podia ser tocado por mais um dia. Mais um dia, e o projeto estaria encerrado. Vieram tripudiar, pelo amanhã que estavam esperando.”
Isaac Asimov, em O Fim da Eternidade

No filme “In time” (2011), o tempo é uma moeda de troca e, no título que adotaram por aqui, parte do roteiro distópico é revelado: O preço do amanhã. A trama se desenvolve numa sociedade em que a ciência permitiu o fim do envelhecimento: as pessoas crescem e se desenvolvem até os 25 anos, quando um relógio biológico é ativado em cada indivíduo e o mostrador passa a marcar um ano em contagem regressiva até a morte. Na trama imaginada, roteirizada e dirigida pelo neozelandês Andrew Niccol, assistimos pessoas que precisam pagar as contas com o próprio tempo de vida. Um almoço, uma hora. Uma passagem de ônibus, vinte e cinco minutos. Vemos, com espanto, um filho que não consegue doar à mãe algumas horas de sua vida e a recebe nos braços no momento em que o relógio dela é zerado. Por segundos, ela não o encontra a tempo.

Hoje, não temos um ameaçador relógio implantado em nossos braços, mas compartilhamos a mesma questão dos personagens daquela película: Como ter mais amanhãs? Sem garantias, queremos vacinas contra a ameaça da morte provocada pelo coronavírus. Impotentes, queremos ter a possibilidade de um amanhã. Esgotados, queremos mais tempo com os que amamos. Desanimados, assistimos a desídia criminosa dos caminhos da imunização contra a Covid-19 em nosso país. Frágeis, choramos o cancelamento de incontáveis amanhãs para quase meio milhão de brasileiros.

Aquele filho, um dos personagens centrais do filme citado, tomba, debilmente, com a mãe em seus braços e, triste, constata que, nos mostradores de seu relógio, haveria tempo a ser transferido. Ou seja, a ele, naquele momento, era facultado doar alguns amanhãs à sua mãe, se a tivesse encontrado alguns segundos antes. Se. Essa é a dor. Existe um ‘SE’ a pairar sobre a história. É uma pena. E é muito angustiante. Além do sofrimento da perda de nossos entes queridos, agonizamos a possibilidade de que podia ter sido diferente. Minha amiga, Mônica, por uma ou duas semanas, teria sido vacinada. A campanha teria chegado na idade dela… Mas, para isso, precisaríamos ter um plano nacional de imunização adotado por nossos governantes… In time.

“Quando uma pessoa vê um animal que morre, um horror a domina: aquilo que é ela mesma deixa de existir – sua essência está obviamente sendo aniquilada diante de seus olhos. Mas quando o que morre é uma pessoa – e uma pessoa querida – experimenta-se então, além do horror diante do aniquilamento da vida, uma sensação de dilaceramento e de uma ferida espiritual que, a exemplo de uma ferida corporal, às vezes mata, às vezes cicatriza, mas sempre dói e receia qualquer toque externo que a irrite.” Leon Tolstói, em Guerra e Paz

Vacinar. Imunizar. Todo mundo. E rápido. Nossos amanhãs! A principal conclusão do projeto “S”, estudo clínico realizado pelo Instituto Butantan no município de Serrana – SP, entre fevereiro e abril deste ano demonstra que a imunização de toda a população adulta impactou a diminuição de casos sintomáticos de Covid-19 e, consequentemente, internações e mortes. Vale a pena conhecer os resultados do estudo que valida os benefícios que um “cinturão imunológico” representa. O que, se adotado com método e vontade, poderia representar uma barreira coletiva contra o vírus. Uma longa e provável sucessão de amanhãs. Para os que se foram e para nós. Os que ficamos, lacerados pela ausência. Nós, os que estamos por aqui, ainda, feridos pelas partidas evitáveis. Nós, que nos julgamos merecedores de amanhãs. Ousamos imaginá-los; ousemos esperá-los.

* * *

*Claudine Duarte é escritora, arquiteta, dramaturga e ativista na formação de leitores. É pedra de toque do Coletivo Editorial Maria Cobogó onde atua com cérebro e um imenso coração.