Alexandre Morais do Amaral *|

“E somente agora, quando sua cabeça
já estava ficando grisalha,
ele começou a amar de verdade,
como deveria e pela primeira vez
em sua vida”.

Conto clássico da literatura universal, esta obra é assim considerada pelo estilo singular, conciso e elegante que Anton Tchekhov emprega para descrever situações do dia a dia. Em seus contos, não parece haver julgamento moral de nenhum personagem. Os deslizes éticos não são avaliados ou apresentados com viés. Todos os personagens são perfeitamente humanos em suas imperfeições. Na marcante concisão, Tchekhov consegue, já no (curto) primeiro parágrafo, mostrar quem são, onde e como estão os protagonistas e, com isso, o potencial desenvolvimento da história.

Uma característica muito interessante deste conto é a sensação de que as “pontas” foram cortadas: ele se inicia com a impressão de já ter começado antes do escrito e termina sem um fim “definitivo” – o “(in) felizes para sempre” parece um lugar distante. Enfim, muito se assemelha a uma tentativa de mostrar que a trama já existia antes de entrarmos nela e que terminará além daquela história – ou seja, o princípio de que a vida continua – e muitas vezes além do olhar do leitor…

Quanto ao conto em si, o fio condutor da história é a relação que se desenvolve amorosa. A ordem dos fatores é essa mesma: começa relação, termina amor – entre Dmitri Gurov e Ana Sierguéievna – mas no contexto de adultério para ambos, com as dificuldades inerentes. O casal clandestino se conhece durante visita a uma cidade litorânea, de veraneio, na Crimeia. Espelham-se nas vidas frustradas, vazias, monótonas e sem perspectivas. Ele, vivendo um casamento oco, sem brilho, e vários “affairs” também ocos ao longo do tempo. Ela, numa vida sem energia, mal sabe o que o marido faz e pouco lhe interessa saber – pista suficiente para a superficialidade da relação.

Interessante perceber as transformações que ocorrem no curto espaço de tempo deste conto: a mudança de Gurov, humanizando-se e a esperança de Ana, renovando-se. A distância geográfica que aparece para ambos, após o veraneio, não é suficiente para distanciá-los: mesmo vivendo em cidades distantes, buscam um meio de preservar a vida do inevitável relacionamento. Como não há o bem e o mal na construção da(s) história (s) de Tchekhov, fica ao leitor o papel de preencher as lacunas e imaginar o final.

“Eles perdoaram um ao outro tudo aquilo
De que se envergonhavam no seu passado,
Perdoaram tudo do presente e sentiam que
Seu amor havia transformado a ambos”.

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Alexandre Morais do Amaral é engenheiro agrônomo, ex-professor universitário e doutor em ciências. Apaixonado por livros e leituras, é colaborador do projeto Calangos Leitores e integra o Grupo de Leitura Contemporânea.

Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904) nasceu em Tangarog, Rússia. Em 1888, o escritor recebeu o prêmio Púchkin, maior láurea literária concedida pela Academia de Ciências da Rússia. Seu conto “A Dama do Cachorrinho” foi publicado originalmente em 1899.