Ana Maria Lopes *|

A língua expressa a cultura de uma comunidade e é o pilar da estrutura social. Ela é o patrimônio historicamente construído de um povo. É dinâmica. E aí reside sua maior riqueza.

A pandemia, com seus desacertos, seus abre e fecha, seus lockdowns, gerou grande confusão na cabeça de todos. Não só sobre as nossas cabeças brasileiras, mas as do planeta inteiro.

Na Alemanha, segundo recente reportagem da Folha de São Paulo, foram criadas 1.200 novas palavras relacionadas ao COVID- 19. Sim, mil e duzentas, segundo compilou o Instituto Leibniz de Língua Alemã.

As palavras servem para a expressão de sentimentos, e a crise sanitária provocada pelo vírus deu origem a novos vocábulos. É a urgência de se comunicar em uma nova situação.

Entre as palavras criadas pelos alemães, algumas são extremamente curiosas, como a “Impfneid”, que seria a inveja de quem já foi vacinado. Outras são “Abstandbier” ou o ato de tomar cerveja mantendo o distanciamento; “coronafrisur” ou corte de cabelo feito em casa; “coronaangst” ou o medo e a ansiedade em relação ao vírus; “pandemüde” ou o cansaço da pandemia.

Como essas, a reportagem cita muitas outras, inclusive, para aqueles negacionistas que se recusam a usar máscaras, o “Maskentrottel” que, em bom português seria “o idiota da máscara”. Ainda há expressões para quem usa incorretamente a proteção, o “Nacknase”, o que usa a máscara só tapando a boca.

Mesmo que toda língua tenha seu dinamismo, linguistas alemães ficaram impressionados com a mudança do vocabulário em tão pouco tempo. No entanto, poucas serão postas em dicionário.

Somente aquelas cujo significado seja mais preciso, como “Kontaktbeschränkungen” e “Ausgehbeschränkungen” – restrições de contato e restrições de circulação – serão contempladas no dicionário alemão.

A necessidade de se comunicar em meio ao caos e ao medo, leva à criação de formas de expressão significativas. “Coisas que não têm nome podem provocar insegurança nas pessoas”, disse Christine Möhrs, pesquisadora do Instituto Leibniz.

De fato, precisamos nomear o monstro que nos persegue para exorcizá-lo, ou, pelo menos, para dividir com nossos vizinhos a angústia do dia a dia.

Algumas palavras foram percebidas por aqui, mas nenhuma que fosse uma inovação linguística. Surgiu o “basculho”, dita por uma celebridade instantânea – regionalismo antigo que significa abaixo do lixo. Também o “desonline”, anglicismo adaptado; o “etanóis”, gíria e contração equivocada e o novo sentido de “cancelamento”. Mas nada que possa provocar uma reunião de dicionaristas.

No Brasil pandêmico e desgovernado, fica difícil descobrir novas palavras. Podemos tentar, mas à mente só vêm o bolsovírus e a motociata, duas palavras inventadas, ridículas e indignas de serem dicionarizadas.

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*Ana Maria Lopes é jornalista, escritora e fundadora do Coletivo Editorial Maria Cobogó.

**Imagem: Nanni Balestrini.