por Claudine M. D. Duarte* |
I.
Trazia um mar amassado. Um dia fora azul na parede do quarto. Tinham umas noites, então. Mas isso foi antes. De agora, somente estas sobras, desbotadas, rendidas. Mal dobradas. Ele, um lado. Ela, na borda. O peixe voando. Atônitos e desbordados.
II.
Ventava. Nos olhos, nossa ilha, pequena, distante e amarela. Quase. O peixe laranja. Uma carpa resistia no chão. E ainda acreditávamos em debates inúteis…
III.
Foi durante a marcha das “Diretas Já” que encontraram aquela estranha moeda: fome ou medo? Omitiram os destinos. Retiraram-se, protegidos. Engano seu, descuido meu. Nossa, a ficção. A carpa teimava, águas pressentidas. Era vida. Ou podia ser.
IV.
E foi assim que fizeram do Fusca um submarino amarelo: Lua Crescente. Teve sonho, juras, sexo e muita eternidade… até umas cinco da manhã. Não viram que atrás da carpa laranja persistiam outras. Um pouco de água é mais que água nenhuma. Seguiam.
V.
Primeiro ela, cinco vezes, primeiro ela. Sempre. Renasciam juntos e de novo. Molhados. Tinha sol, mas tinha uma rua. Todo mundo pensa que as ruas existem para serem atravessadas. Juntos, enfim. Uns peixes assim, extraviados.
VI.
Segurou o celular na mão esquerda e, com o dedo indicador: “Editar”. Não havia faixa de pedestres. Trêmulo e belicoso: “Apagar contato”. Do outro lado da rua lobos aguardam os peixes. Choraria depois.
VII.
Tinha um quê de afogamento. Às três da madrugada: Fome ou Medo?… No cinzeiro, a moeda respira outro tempo. Todas as carpas se foram. Aplicativos inertes não entregam lágrimas em noites de Lua Cheia.
***
* Claudine M.D. Duarte é multifacetada. Escritora, dramaturga, arquiteta, formadora de leitores, fundadora do Coletivo Editorial Maria Cobogó, íntima das águas e fala com peixes.
Imagem: Tâmara Habka – “Eu quero virar peixe” (2019). Conheça mais da artista nos perfis @paprikadatil.art / @tamarahabka