por Solange Cianni * |
Dizem que no Japão o imperador só se inclina, em atitude de reverência, a um professor.
Tenho muito orgulho de ser professora e filha de professora. Conheço a minha tarefa de semeadora, aquela que trata de ofertar a cada aluno aquilo que necessita para se desenvolver melhor. Aproveita o talento natural e o potencializa. Injeta estímulos onde existe o vazio, desafios onde reside o desinteresse, imaginando que, assim, este crescerá um ser mais humano mais competente e mais saudável.
Falar de educação é lugar de prazer e afeto, conversa que não tem fim.
Clara Arreguy traz no seu livro, O Quarto Canal, a vida de uma professora que também é filha de professor, universo muito conhecido, meu lugar de uma vida inteira, minha zona de conforto e aprendizagem. Não tive como não me identificar desde os primeiros capítulos, quando ela fala do seu pai:
“…Ele também se divertia lendo, estudando, ensinando. Se não estivesse na escola, exercia seu ofício comigo, em casa… não perdia uma chance de conferir inteligência e sabor ao saber.”
A autora fala com tanta propriedade de métodos criativos e conteúdos curriculares que trazem significado para a vida, que cheguei a acreditar que ela era, sem dúvida, uma professora.
“ … O objetivo era falar do problema do lixo em suas casas… eu ia perguntando se eles sabiam pra onde ia o lixo, o que acontecia com cada coisa descartada em cada casa…”
A autora abriu um sorriso farto quando lhe perguntei se ela era uma professora. Respondeu-me que não, não era professora, que fez pesquisa para escrever como tal e também usou um pouco de imaginação. Isso tem nome: talento.
É muito comum os professores, serem incompreendidos pelas famílias de seus alunos. Começamos a duvidar da própria competência ou se estamos mesmo alcançando os objetivos desejados. Ossos do ofício. Clara aborda esse tema com a tristeza de um professor vocacionado, a dúvida e reflexão sobre a atuação da educação para a cidadania x exigência das famílias.
“… Entristece constatar como os pais abdicam da educação de seus filhos e trocam, sem nem perceber, … a obediência em vez da autonomia. A limitação da marcha em vez do voo. O enquadramento em vez da liberdade de criar.”
Paralelamente à temática do ensino, a autora apresenta os problemas recorrentes dos salários pagos aos profissionais da Educação. A dentição é um deles. E ela situa a mestra que paga com dificuldade seu tratamento dentário.
“O problema é que tudo que ganho, ganhei ou estou para ganhar… todo o meu salário, está comprometido com o pagamento do tratamento com a doutora Mariluz” (a dentista).
E finaliza o livro revelando o sonho do verdadeiro educador:
“ … que a escola fosse cada vez menos excludente… menos decoreba… mais criatividade… capacidade de pensar, questionar, buscar soluções, inventar respostas.”
O Quarto Canal, de Clara Arreguy trouxe-me sentimento de pertencimento e esperança de que um dia, espero que breve, nós, professores brasileiros, sejamos recebidos com a mesma reverência e respeito que o imperador do Japão recebe os seus.
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Solange Cianni é escritora, atriz, pedagoga e psicopedagoga. É fundadora do Coletivo Maria Cobogó e leva com incrível amor a sua profissão de mestra. Será sempre reverenciada.
Clara Arreguy é jornalista, escritora, revisora e editora. Mineira radicada em Brasília, publicou dezenas de livros, todos pela Outubro Edições, da qual é fundadora.