Por Claudine M. D. Duarte * |
“A vida muda rapidamente. A vida muda em um instante.
Você se senta para jantar, e a vida que você conhecia termina.”
Joan Didion, em O Ano do Pensamento Mágico (2005)
Lila não entendia de marcas de sabão em pó.
No meio da cozinha, a máquina jorrava um monstro de espuma branca com pedacinhos roxos. Lila puxou o fio da tomada: um silvo comprido acusou a morte do equipamento.
Lila escorregou e a criatura disforme cobriu suas mãos.
Tomou fôlego e soprou: a espuma tinha uns caminhos inesperados.
Lembrou de outra manhã.
Lila ainda não conhecia bolhas de sabão.
Foi depois da missa das dez.
Lila fizera o almoço e colocara o seu melhor vestido. Leve suas irmãs, gritou o pai.
Lila obedeceu. Lila sempre obedecia.
A filha da vizinha pediu pra ir junto. Queria mostrar como fazer umas tais bolhas de sabão. Elas se desprenderam do pequeno aro prateado e voaram para o outro lado da rua. Um muro negro as esperava.
Um muro negro as desvanecia. Desvaneceu.
Lila ainda não sabia que era a última vez que via suas irmãs. As pessoas tinham caminhos improváveis.
Lila não percebeu. Lila nunca percebia.
***
*Claudine M. D. Duarte, escritora e fundadora do Coletivo Editorial Maria Cobogó, sobre foto de Helen Levitt: Crianças com Bolhas de Sabão (NY, 1940).
**Helen Levitt nasceu no Brooklyn (NY) em 1913. Se apaixonou pela câmera escura e, inspirada pela arte de Henri Cartier-Bresson e Walker Evans, usou as cenas urbanas de Nova York como pano de fundo para suas fotos. Levitt permaneceu ativa como fotógrafa por quase setenta anos e, pelo lirismo de seu trabalho, é chamada poeta visual da cidade que nunca abandonou. Faleceu em Nova York, num dia como hoje, 29 de março, em 2009. Deixou um companheiro, Blinky, um gato amarelo.
Imagem: Crianças com Bolhas de Sabão