por Márcia Zarur*
No fim do ano passado levei um tombo bobo em casa, torci o joelho e tive que ficar um mês com a perna imobilizada.
Na primeira semana, gesso e muletas, e nas demais, uma tala e o andar manco e moroso. Durante todo o tempo, fui acompanhada pelo olhar atento e preocupado do Yoda, o meu cachorrinho da raça Westie.
Ele dormia no chão, ao lado da minha cama, e me acompanhava nos curtos percursos que eu fazia em casa. Um belo dia também apareceu mancando.
Ficamos, meus filhos e eu, apreensivos. Será que ele tinha machucado a patinha? Pisado num espinho? Oferecemos um biscoito e ele começou a pular e brincar, sem qualquer sinal do problema. Foi aí que, incrédulos, percebemos que ele estava apenas sendo solidário aos infortúnios da dona.
Um inacreditável exercício de empatia e companheirismo. Um exemplo explícito e comovente de lealdade canina.
Durante essa pandemia fico pensando o quanto temos a aprender com os animais, o quanto ainda precisamos evoluir na nossa “humanidade”.
Muitas pessoas ainda não se deram conta da gravidade devastadora desse vírus. Mais de 100 mil mortes no país, mas para alguns continua sendo uma ameaça distante, até que os números comecem a virar nomes conhecidos.
Uma tragédia anunciada, imersa em muitas dúvidas e uma grande certeza: mais do que nunca precisamos de consciência, empatia e solidariedade.
Seremos capazes de gestos simples, como o uso da máscara? Seremos capazes de enxergar a importância da educação, da pesquisa e da ciência?Seremos capazes de ver o quanto estão nos custando as agressões ao meio ambiente? Seremos capazes de parar de brigar e estendermos a mão a quem precisa?
Outro dia, depois de um discurso veemente em defesa do amor ao próximo, meu filho me fez a pergunta: mas quem é o próximo?
O próximo é o seu irmão, seu pai, sua mãe, seus avós… E o próximo é também a pessoa que você nem conhece, mas com a qual você deve se importar e fazer tudo o que estiver ao seu alcance pra que tenha uma vida digna.
Não espero que a gente vivencie essa lealdade canina, capaz de tudo por alguém. Mas não deixo de ter esperanças de que aprendamos algo com o cenário distópico desse ano de 2020. Que o mundo saia melhor disso tudo…
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* Márcia Zarur é jornalista, escritora e fundadora do Coletivo Editorial Maria Cobogó. É apaixonada por todo ser humano, por Brasília e por Yoda, personagem de sua crônica.
Imagem: arquivo pessoal