Final de ano. Começo de ano. (Re)início de ciclos. Mudança de casa. Nova cidade, talvez velho continente. Lugares a conhecer. Livros a serem lidos… ou escritos. Tudo é motivo para listas. A vida pode ser mais confortável com uma ou várias listas ao lado. Acreditamos. Uma forma de nos ajudar a desmontar – ou mascarar – o caos que nos ronda… e assusta.
Nos jornais, blogs e redes sociais, cada um apresenta a sua. Gosto de ler. Na verdade, amo ler. E mais que isso, amo apresentar livros aos amigos. Por sorte, convivo com outras pessoas que também são amantes dos livros e da literatura e, gentilmente, perdoam – creio – essa minha obsessão. Assim, amo as listas dos melhores livros do ano, do século, dos premiados, dos indicados pelo Assis Brasil ou da preciosa lista elaborada pelo Hemingway “do que você deve ler”. Não consegui ainda juntar as várias e desencontradas listas dos melhores livros de todos os tempos… Juro que existem.
Pensei em fazer a minha lista dos melhores livros (já lidos e relidos, óbvio), mas a ansiedade foi tanta que registrei essa vontade de escrever na relação de “coisas que posso fazer um dia”. E decidi contar dos personagens que moram dentro de mim. São inúmeros! Por limite de espaço relacionei alguns que eu ‘vejo’ ou ‘escuto’ todos os dias.
A literatura me concedeu momentos inesquecíveis e fica difícil não considerar Riobaldo um amigo, falando baixinho quase em sussurros que “a vida é assim… o que ela quer da gente é coragem”. E como olhar a lua, redonda, suspensa e desmedida sem lembrar do Conde Fosca condenado à eternidade, aterrorizado pelos ciclos que contempla interminavelmente e sonha “que não há mais homens. Todos estão mortos. A terra é branca. Ainda há a lua no céu e ela ilumina uma terra toda branca. Estou só…”
Às vezes, escuto os passos arrastados de Sinhá Vitória caminhando pelas ruas e sonhando com uma cama de tiras… “Por que não haveriam de ser gente… Com certeza existiam no mundo coisas extraordinárias.”
Vale incluir nessa lista um amor, personagem da incrível Marguerite Duras, explorando o barulho do mar e gritos de gaivotas famintas como trilha sonora: “Assim, no entanto, você pode viver esse amor do único jeito que era lhe possível, perdendo-o antes que ele acontecesse.”
O García Márquez soube criar seres memoráveis e me sinto acompanhada por muitos deles. Sempre que abro a lata de café, constato a presença do Coronel que “sobrevivente de tantas outras manhãs”, espera e espera uma carta que nunca vem…. Sorve seu café. Uma espera de cinquenta e seis anos. De novo, era outubro – “uma dessas raras coisas que chegavam”. Outro coronel – o Aureliano Buendía – faz sua estreia numa cena emocionante quando, diante do pelotão de fuzilamento, recorda “aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”.
De memória, solidão, e esperas intermináveis, Gabo ainda nos deu o Patriarca, o ditador de uma idade imprecisa – entre 107 e 232 anos, que todas as noites percorre o corredor que leva a seu quarto mirando “vinte e três vezes” o lugar onde antes ficava o mar: “um tirano de mentira que nunca soube onde estava o avesso e onde estava o direito desta vida que amávamos com uma paixão insaciável que o senhor não se atreveu sequer a imaginar por medo de saber o que nós sabíamos de sobra que era árdua e efêmera…”
Contei: já são sete personagens, sete livros. Gosto de setes. Sinto que trazem sorte. Desejo a todos muitos setes em 2020, 2021, … dois mil e vinte e setes.
Por ordem de aparição neste texto:
- Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa
- Todos os Homens são Mortais, de Simone de Beauvoir
- Vidas Secas, de Graciliano Ramos
- A Doença da Morte, de Marguerite Duras
- Ninguém Escreve ao Coronel, de Gabriel García Márquez
- Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez
- O outono do patriarca, de Gabriel García Márquez
Para os que ficaram curiosos com a lista do Ernest Hemingway:
https://homoliteratus.com/16-obras-que-todo-jovem-escritor-deve-ler-segundo-hemingway/
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Imagem: https://estadodaarte.estadao.com.br/podcast-grande-sertao-veredas/