Meu querido avô,

 

Não cheguei a te conhecer mas, por incrível que pareça, coleciono um mosaico de lembranças tuas. Com admiração e carinho viajei com vocês por lugares fantásticos nos relatos da minha avó. Folheando seus livros vibrei com a sua contribuição fundamental para a Geografia brasileira.

 

Mas, de todas as memórias, a mais presente é a máquina de escrever que foi sua e que me acompanha há mais de 20 anos.  Seu filho, meu tio jornalista, me deu de presente quando me formei, também em jornalismo. E desde então essa máquina é o meu grande xodó.

 

Mais do que um lindo objeto de antiguidade, uma relíquia de família e um baú de memórias afetivas, essa máquina de escrever virou um símbolo da minha profissão.

 

Podem me chamar de idealista e romântica, mas sigo acreditando que o jornalismo é uma das profissões mais especiais e apaixonantes que existem. E sabe por quê?

 

Os jornalistas amplificam demandas da sociedade, fazem a cobrança vigorosa de soluções para os problemas antes invisíveis, dão voz a quem quase nunca se faz ouvir, e têm a força e o dever de mostrar os reis despidos…

 

Por isso mesmo, os jornalistas incomodam – e como!São eles que fazem perguntas inquietantes. As mais indesejadas pelos poderosos normalmente são as mais necessárias. E nessa procura incessante por desvendar a verdade e expor a realidade, eles constroem um dos pilares mais importantes da democracia.

 

Há erros e excessos pelo caminho, sem dúvida, pois os jornalistas também são gente. Mas tentar calar essa voz potente e indispensável traz um prejuízo incalculável. Sem o jornalismo livre e atuante, é como se nós andássemos a esmo pelo mundo, enxergando e ouvindo muito pouco, e sem termos a menor noção de onde estamos e pra onde vamos.

 

Os artesãos da notícia vão ampliando a nossa capacidade de ver, ouvir e refletir. Textos e imagens registram o curso da história, sacudindo a sociedade, contrariando interesses, questionando sempre. Nossa maior vocação é a curiosidade. E perguntar será sempre a nossa maior arma. Sede de saber e de informar. Tenho orgulho de fazer parte disso e de ter a sua antiga máquina de escrever como símbolo do meu trabalho.

 

Um beijo carinhoso,

Marcia Zarur*

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Cartas são dádivas para quem as recebe e alívio e alegria para quem as escreve. Nem sempre trazem boas notícias, mas todas são documentos de um tempo, um ciclo, uma história. O Coletivo Editorial Maria Cobogó, desde o início da pandemia do Covid-19, está publicando textos sobre o tema. Muitos deles são cartas. Continuaremos a fazê-lo por entender que cartas são fonte extraordinária de sentimentos e extravasão.

 

Márcia Zarur é jornalista e escritora e membro do Coletivo Editorial Maria Cobogó.

 

fotos de arquivo/ montagem Claudine Duarte