por Solange Cianni* |
Quando eu morrer…
Não quero o meu caixão coberto de cravos. O cheiro não me agrada. Lembra os enterros fúnebres, com choros e lamúrias.
Não quero nada disso, por favor!
Quero rosas… vermelhas, amarelas e brancas.
Vermelhas, porque sempre vivi com o furor e a delicadeza de uma mulher apaixonada.
Amarelas, porque sou um anjo do sol e amante da luz.
Finalmente, brancas, porque sempre persegui a paz e imagino que morrer é simplesmente repousar no colo dela.
Quero a presença das minhas amigas evolutivas, irmãs de alma, parentes
e amigos queridos, celebrando junto comigo este momento sagrado,
fazendo-me eterna na morada da memória de cada um que lá estiver.
Quero música! Violão, cantos e palmas, muitas palmas… E, se
as ciganas dançarinas quiserem, podem dançar ao meu redor.
Eu vou adorar!
Nesse caso, que não falte o fogo, que tudo cura e transmuta.
É fundamental que haja incensos nesta hora, para atrair anjos e beija-flores.
Espirros de água benta eu também faço questão, para que todos, quando dali saírem, sintam-se abençoados e em comunhão com o mistério no qual estarei mergulhada.
E, quando, enfim me deitarem na terra,
peço silêncio.
Um respeitoso silêncio, condizente com o momento solene onde
uma sacerdotiza retorna ao lar, após uma longa jornada.
Que a terra me saboreie no tempo certo e o meu corpo se torne vitamina deste planeta professor que me acolheu neste percurso aprendiz.
Que as pessoas, então, me cubram de pétalas multicores, cantando, uníssonas, o mantra “OM”…
Depois de tudo consumado, retornem caminhando sem pressa, abraçadas,
rumo aos seus afazeres cotidianos, levando consigo a reflexão do que é de fato essencial nessa fagulha de vida, frente a imensidão do universo.
Quero ainda que todos os presentes recebam margaridas brancas e amarelas na saída, para que possam voltar às suas atividades plenos de serenidade e saudade, sem pena ou culpa.
Nessa hora, com certeza, os bem-te-vis e joões-de-barro cantarão uma opereta de despedida composta especialmente para mim, em nome da nossa amizade e parceria.
Um sentimento de gratidão tomará conta dos corações de todos que ali estiverem, pela oportunidade de cada um, no tempo devido, poder cumprir a sua tarefa na vasta existência.
Oferecerei, finalmente, um sopro de amor e um beijo estalado aos meus filhos e ao meu amado. E então todos seguiremos em paz, celebrando o milagre que é estar vivo eternamente…
É assim que eu quero.
***
*Solange Cianni é múltipla. Psicopedagoga, escritora, atriz e fundadora do Coletivo Editorial Maria Cobogó. Adora a vida, o sol e o mar. Não quer morrer, mas se morrer, vai ser uma festa!
Imagem: arte de Kristín Couch