por Sandra Daher * |

 

 

Na meia penumbra, no conjunto de teclas negras da máquina de escrever, eu via jabuticabas. Elas apareciam de novo, quando fazia nova foto da máquina, noutra tentativa de melhorar o ângulo para os livros também se apresentarem. Afinal, o tema era “Estante de livros”…

 

Mas a máquina, que fora de meu pai, teimava em compor o assunto, como imprescindível. E tinha razão: os velhos botões, que registraram textos de serviços, remetiam agora para histórias encantadoras de escritores, contidas nesses livros que a ladeavam.

 

Não se pode duvidar de um chamamento antigo,  de uma memória clamando em um objeto. As jabuticabas são a infância em um bom momento em que a máquina de escrever se entrelaça. Trazem lembranças em que gozava da proteção paterna e dos frutos do quintal.

 

Pesar os dedos sobre essas teclas é reaver uma vida a mim tão cara, e supor outras, atemporais, escrevendo os livros, agora aninhados ao seu lado. É como estourar na boca jabuticabas e sentir-lhes o gosto, renovado, em cada uma, dos fatos, da poesia das histórias reais, inventadas ou reinventadas, misturando sonho, enleio, realidade.

 

As letras das teclas e dos livros se embaralham por um instante na imaginação e viajo com elas em mais um devaneio… Ei-las, contudo, de volta ao seu registro indelével: os livros. Ei-las para sempre teclando a existência e seus mistérios.

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*Sandra Daher é escritora e tem formação em Humanas. Procurou o sentido da vida na música e nas artes visuais. Mas encontrou-o na Poesia. Seu primeiro livro Extratos de conta-corrente (2019) foi publicado pelo Coletivo editorial Maria Cobogó. (foto: arquivo pessoal da autora)