por Maria do Carmo Pereira Coelho*

 

Nasci cinco anos após a mortandade da II Guerra Mundial. A maior parte de minha juventude transcorreu à espera de que a educação fosse uma atividade valorizada pelo meu país. Cresci em Santa Izabel do Pará, onde a vontade de prosseguir nos estudos poderia ser podada rente à raiz. Um refrão definia o estilo daquela cidade: “Boa romaria faz quem na sua casa fica em paz.”.

Aprendi a ler na máquina de costura da minha mãe. Li o nome “Alfa”.  Passei por todo ensinamento antigo da escola tradicional do Grupo Escolar Sílvio Nascimento. Em três meses, com a professora Julieta, aprendi sobre parentesco, matemática e a escrever o cabeçalho da escola. Corria para a estante, tirava um volume, abria em cima da mesa e ficava de bruços devorando as páginas. No primeiro ano ginasial decorei todos os meus livros de História e de Geografia. Estudava com afinco latim, francês e inglês. Aos 23 anos devorei a obra de Monteiro Lobato e me encantei com seus personagens. Também tinha predileção por uma revista de geografia que me mostrava em cada edição um Estado do Brasil. Sonhava em poder conhecer todo o meu país.

Antes mesmo de entrar na faculdade de Letras li vários contos de Machado de Assis que minha amiga Inácia havia me emprestado. Na casa da Inácia seus irmãos liam histórias em quadrinhos. Confesso que achava que eles eram uns felizardos.

Passei a ministrar aulas de Língua Portuguesa mas, um dia,  fui transformada em professora de Metodologia Científica para alunos do curso de Contabilidade. Atualmente, a disciplina Leitura e Produção de Textos é oferecida pelo sistema de aprendizagem a distância  que passei a chamar de aprendizagem sem distância. De início, não fazia parte do grupo apaixonado por essa forma de ensinar e de aprender. Com o tempo e com a prática me convenci de que o ensino a distância pode aproximar pessoas. Mas o fato é que acredito na convivência boa que se pode estabelecer em aulas presenciais.

Dirigir uma sala de aula exige um esforço demasiado. Por vezes, recorria ao Padre Antônio Vieira e ao Sermão do Espírito Santo, que diz: Para aprender não basta só ouvir por fora, é necessário entender por dentro. Assim, para eu convencer meus alunos não bastavam só palavras. Eram necessárias palavras, luz, sabedoria e amor. Dessa forma, o trabalho do professor é também divino quando consegue motivar os jovens para o lado do bem.

Um dia escolhi Brasília para morar e deixei Belém do Pará, lugar para o qual alguém compôs uma música, cujos versos são: deixei o Ita no Norte e fui pro Rio morar, adeus, meu pai minha mãe , adeus, Belém do Pará. Saí de lá, não de Ita, mas de ônibus pela estrada Belém-Brasília. Não sei se perdi a felicidade, mas sei que insisto em não me esquecer dos momentos que por lá vivi.

Várias vezes, vi-me insistindo em partir. Por este motivo, conheci grande parte do meu Estado. Aceitava ministrar aulas pelas cidades do Baixo Amazonas. De lá guardo boas lembranças de Santarém, de Itaituba, de Porto de Mós, de Belterra, de Fordlândia etc. Vivia me despedindo nos aeroportos, nos portos e nas estradas. Não perdi as minhas raízes, pois vivo criando outras. Por incrível que pareça, cheguei até a me apaixonar por dois entes sobrenaturais da Amazônia: O Minossauro (criação do escritor Benedito Monteiro) e o gigante Iacurutu (lenda onde há uma árvore, cujos frutos são as armas de uma guerra entre tribos rivais). O primeiro mito fez parte do CORPUS de análise de minha dissertação de mestrado. O segundo, do doutorado.

Atualmente, digo que sou paraense e brasiliense, porque vivi 30 anos em Belém e mais de 30 em Brasília. Sei que sou brasileira de coração.

De certa forma, a curiosidade me trouxe alguma vantagem porque participei de incontáveis eventos, escrevi alguns livros. E, hoje, em Brasília, faço esta crônica para vocês, meus leitores.

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  *Maria do Carmo é escritora, professora universitária e consultora para questões relativas à formação de leitores.