por Lucilia de Almeida Neves Delgado*

 

Solidão pode ser o melhor refúgio para sossegar almas. Mas é preciso saber como escolhê-la por companhia para que não nos roube a vida. Desde que se faça alento, não importa a hora de  escolhê-la, pode ser na de calmaria ou na de turbilhões incontroláveis.

Estar em solidão é diferente de ser solitário. Mas é preciso coragem para abraçá-la, bebê-la, acariciá-la. Solidão é exigente. Não é para muitos. Requer concentração em si mesmo, sem apartar-se do mundo e dos lugares. É exilar-se sem medo. Pode ser em um recanto concreto, como um sofá, um jardim, uma montanha, um córrego que lava a terra, um banco de igreja, um museu, livros. Pode ser nos pensamentos e nos devaneios tão essenciais ao viver.

Solidão é capacidade de levitar, mesmo com os pés agarrados ao chão. Nessas horas únicas, o mundo ganha horizontes impalpáveis, e o pensamento vastidão e profundeza. Nesses momentos, de estar consigo mesmo, muitos encontros vitais vão chegando e se alojando no ser de quem a vive.  São comunhões com os olhos e as  paisagens da alma, hidratando-os, silenciosamente, para os dias que virão.

Quem viaja por montanhas reais ou imaginárias encontra segredos, o indizível da vida, cenários interiores. No sobe e desce das paisagens sabe-se mistério. Enxerga-se no reflexo das águas corredeiras e nos pequenos arbustos que acolhem sentimentos densos.

Quem viaja oceanos reais ou imaginários, deixa-se levar por ondulações, mergulha no recôndito de si mesmo, pensa afogar-se.  Pode, entretanto, retornar à superfície, se a profundidade lhe trouxer capacidade de reconhecer-se na reflexão sobre o ser e o estar no mundo.

Quem dança, ouve música, visita filmes, debruça-se sobre livros ou aprecia esculturas e telas, precisa do seu corpo e da sua sensibilidade para que o encontro com o prazer de vivenciar experiências artísticas lhe traga conforto. Essas são as melhores horas das vibrantes solidões. Aquelas que levam a encontros inusitados com nosso eu nuclear e com tantos outros eus que se abraçam, no imenso cordão, de múltiplas pontas, chamado vida.

Existem diferentes tipos de solidão. Podem expressar-se como solitária dor suprema. Torniquete que aperta sem dó. Não trazem salvação ou esperança. São mortes lentas que doem em vida. Nem uma réstia de luz parece poder abrandá-las. Vivem nas metrópoles, em campos abertos, na fome, na violência, nas doenças, nos sonhos atordoantes, nas guerras, nas indiferenças.  Para salvar-se precisa do acolhimento de outras solidões. As que são fertilizadas, férteis e fertilizadoras da paz e da generosidade.

Em outros tantos milhares de momentos vitais é silêncio frutífero, que se faz desejo, respiração, semente, raiz, broto que rompe a superfície e árvore que acolhe outras solidões que caminham no intenso desafio chamado vida.

 

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* Lucília de Almeida Neves Delgado é historiadora, professora universitária e escritora.