por Christiane Nóbrega* |

 

Sabe aquele combinado de casal de excludente de ilicitude? Aquele que, se o Chico Buarque te paquerasse não seria traição e que a gente faz sabendo que nunca ele vai te dar mole e muito menos a Fernanda Lima pro seu companheiro? Pois pronto. Esse era o nível de inatingível do Prêmio Jabuti pra mim. Cá estou eu entre os 10 finalistas de 2020 com o meu livro Fios na categoria Infantil.

Tá, eu sei, há várias e válidas críticas ao prêmio, mas não é hora de falar nisso. A hora é a de me celebrar, eu mesma, a Christiane de Mariinha e Quintino, aquela criada lá na Vila Mathias (em Taguatinga, para os moradores de Beverly Hills), cansada de ser mais ou menos e que acabou finalista do Prêmio Jabuti.

Me inscrevi por inscrever. Claudine falou “Tem que inscrever!” e eu? Obedeci, porque manda quem pode e obedece quem tem juízo. Lá em abril, fiz a inscrição. Coloquei os alertas no calendário com as datas e pronto. Segui sonhando com a paquera do Chico e com o Jabuti.

Ontem, tava eu lá na minha jornada constante de trabalho e decidi dar aquela espiada no whatsapp. Lá estava o anúncio feito pelo querido e talentoso, também finalista, Tino Freitas. Eu tremi, chorei, gritei os filhos.

Bruno conferiu o link, leu a lista e confirmou. Samuel pegou uma cadeira, ofereceu água e me abraçou. Lele chorou comigo abraçada. Ao menos, lembrei de desligar as panelas no fogão. A sensação foi a mesma de quando passei no vestibular, num tempo longínquo, em que se ouvia no rádio o resultado. Óbvio, corri pra casa da mamãe.

A verdade é que o Fios foi feito com a alma e sempre tive certeza de que ele emociona, desanca e cura. Um livro-afeto. Livro-ancestralidade. Livro-mulheres. E mesmo tendo essa certeza, não esperava estar entre os finalistas. Nunca. Sei lá. Talvez, síndrome da impostora mesmo.

Me lembrei de um episódio tragicômico quando uma certa figura da literatura brasileira me deu carteirada com seu quelônio, o que até hoje é piada interna no Maria Cobogó. Meu Deus! Perdemos nossa piada! Que droga!

Segundo a tal escritora, a literatura independente não tinha vez, ainda mais pra alguém que era só uma advogada, sem nem um mestrado ou doutorado. Num tom professoral, disse meu nome todo, igual oficial de justiça e sentenciou que o único jeito era se inserir no sistema, afinal, ela o fizera e tinha uma coleção dos tais Jabutis na estante.

Enganou-se a tal doutora, a literatura tá além dos muros da academia. Ela também é pra Christiane, aquela, da Vila Mathias, filha de Quintino e Mariinha, a caçula, a neguinha, com pés rachados, cabelo enrolado e português rasgado e ali, do ladinho do Chico. Do lado do Chico? Meu Deus, que pena que a cerimônia é virtual, quem sabe era minha chance de realizar esse sonho também? Ô pandemia! Logo esse ano?

 

***

 

*Christiane Nóbrega é advogada, escritora, fundadora do Coletivo Editorial Maria Cobogó e indicada ao prêmio literário Jabuti 2020 com seu livro Fios. É filha, mãe, irmã, amiga e carrega consigo a sensibilidade de mil poetas.

** O livro Fios (2019), de Christiane Nóbrega, pode ser adquirido no @domcaixotesebo