por Glória Moura* |
Ana Maria,
Você me pediu para escrever um texto sobre o Dia da Consciência Negra. Estou tentando colocar no papel tudo de bom que eu consegui na vida quando fui pensar nesse tema.
Quero falar das coisas boas que eu sinto hoje, para lhe contar o processo de chegar até aqui. Ao festejar o 20 de novembro de 2020, me inspiro na cultura e nas tradições africanas reafirmando a identidade brasileira.
Mas foi uma jornada, sem reclamações, sem chororô. Foi uma vida…
Têm as idas aos quilombos, que são comunidades negras rurais onde homens e mulheres vivem em harmonia, possuem uma história comum e consciência étnica. Conhecer a vida de trabalho e atualização de sua cultura, esse sim, foi o maior presente da minha trajetória. Ir lá conhecer suas raízes africanas e suas lutas de sempre, as comemorações e as suas festas foram o meu alimento. Queria saber tudo…
Em Guiné Bissau, mostrei um vídeo realizado na comunidade Santa Rosa dos Pretos, no Maranhão, onde há o Banquete dos Cachorros no Dia de São Lázaro: entre outras coisas, era uma mesa armada no chão, composta de sete cachorros e sete meninos, com menos de 5 anos, que recebiam os pratos com a mesma comida. A cerimônia continuava com a dança do candomblé, até altas horas. Para espanto meu, a plateia ficou muito entusiasmada e algumas pessoas disseram que lá existia a mesma cerimônia.
Mas tem uma tradição que me fez tentar entender essa linguagem religiosa. Fui à comunidade de Mato do Tição, em Minas Gerais. Antes, havia feito a promessa de que lá andaria na brasa se minha filha bailarina tivesse um diagnóstico positivo sobre a dor que ela sentia. Ela teve. Na noite de São João, passei sobre as brasas, queimei a sola dos pés e fiquei dois meses sem botar os pés no chão.
Olha minha amiga, teria muitas histórias pra lhe contar sobre a vinda dos africanos escravizados para o Brasil e suas influências no desenvolvimento do país. Muitas das profissões desenvolvidas aqui, só foram possíveis por causa da mão de obra africana. Os portugueses não conheciam o uso do ferro e de outros materiais.
É com alegria que constato a sociedade brasileira caminhando no sentido do reconhecimento da cultura afro-brasileira e do seu papel na formação da nacionalidade, a exemplo das inúmeras manifestações de pessoas negras, brancas e indígenas nesse mês da Consciência Negra.
Glória Moura
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*Glória Moura é pedagoga e escritora. Mestra em Planejamento Educacional , professora da Universidade de Brasília e Doutora em Educação pela USP. Produziu Uma História do Povo Kalunga e Estórias Quilombolas. Atua como consultora do MEC na área de Educação Escolar Quilombola.
Imagem: foto de pintura do artista dominicano Jorge Severino